Salud Brasil Campinas, São Paulo, Jueves, 12 de mayo de 2011 a las 16:17
Saúde/Medicina/Ciência

Avanços científicos para uma classificação robusta dos transtornos mentais

Atuando há mais de 60 anos, o Instituto Nacional de Saúde Mental do governo dos Estados Unidos (NIMH, na sigla em inglês), desde sua fundação, tem como objetivo apoiar a investigação, a prevenção e o tratamento de transtornos psiquiátricos.

ComCiência/Labjor/Andreia Hisi/DICYT Atuando há mais de 60 anos, o Instituto Nacional de Saúde Mental do governo dos Estados Unidos (NIMH, na sigla em inglês), é a maior organização de pesquisas em saúde mental do mundo e, desde sua fundação, tem como objetivo apoiar a investigação, a prevenção e o tratamento de transtornos psiquiátricos. Há quase um ano, está desenvolvendo uma nova iniciativa em particular, chamada de Reseach Domain Criteria (RDoC), para promover um melhor entendimento e tratamento de transtornos mentais. Isso somente é possível devido aos diversos avanços tecnológicos e à associação de diversas áreas do conhecimento.

 

“A aceleração crítica começou nos anos 1970 e 1980, quando os pesquisadores começaram a fazer rápidos progressos para a compreensão da ciência do comportamento humano e das formas pelas quais os medicamentos podem ser usados para tratar doenças” afirma Thomas Insel, diretor do NIMH. “A década de 1990, a ‘década do cérebro’, rendeu ideias sobre aspectos fundamentais do funcionamento do cérebro, incluindo novas formas de visualizar o cérebro com as tecnologias de imagem. Esse período também levou a métodos avançados para estudar a interação entre o cérebro, o comportamento e o meio ambiente. Esses avanços, por sua vez, criaram as condições para o período atual, que pode ser chamado de ‘década da descoberta’. Muitas das oportunidades científicas nesta ‘década da descoberta’ mal podiam ser imaginadas a dez anos atrás”, completa.

 

Essa iniciativa de classificação do NIMH, o RDoC, não pretende competir, mas colaborar com o Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais (DSM, na sigla em inglês). O estímulo para criar o RdoC partiu do então diretor do NIMH no final dos anos 1990, Steven Hyman, atual reitor da Universidade de Harvard, onde leciona neurobiologia na Faculdade de Medicina, e membro do comitê de revisão do DSM-V. Para Hyman, o DSM era como um “retrato pobre da natureza”, uma vez que os investigadores utilizavam tais critérios para ajustar suas temáticas de pesquisa, os departamentos de pesquisas o usavam para avaliar os pedidos de projetos, os editores de revistas o usavam para avaliar artigos e as empresas farmacêuticas o usavam para projetar testes clínicos. “Precisávamos, de alguma maneira, sair da caixa cognitiva e incentivar os cientistas a realizarem pesquisas que desafiassem as atuais fronteiras das doenças”, ressalta Hyman, em entrevista à revista Science. O sucessor de Hyman, Insel, tornou isso a prioridade do instituto, e o RDoC é fruto disso.

 

Inserido no Plano Estratégico do NIMH para “promover descobertas nas ciências cerebrais e comportamentais, abastecendo as pesquisas sobre as causas de transtornos mentais”, o RdoC tem como principal diferencial a sua perspectiva de classificação de transtornos mentais através das dimensões do comportamento observável e de medidas neurobiológicas. “As dimensões referem-se às funções cerebrais básicas, como o medo e a sua ausência, resposta ao estresse, comportamento impulsivo, compartilhamento e administração de tarefas, e a capacidade de armazenar ativamente na memória informações necessárias para executar tarefas complexas, tais como raciocínio, compreensão e aprendizagem”, descreve Bruce Cuthbert, psicofisiologista do NIMH e coordenador do projeto, em depoimento à Psychiatric News. A ideia, segundo ele, é desenvolver novas maneiras de classificar transtornos que estão relacionados a circuitos neurais identificáveis.

 

No entanto, há riscos de determinismo biológico, adverte Allan Horwitz, professor do Departamento de Sociologia e do Instituto para Saúde, Políticas de Cuidado com a Saúde, e Pesquisa de Atuação. “Os riscos são de que prestar tão grande atenção a processos genéticos exagere a importância desses fatores, subestimando a importância dos fatores sociais e psicológicos. Não existe, pelo menos por enquanto, nenhuma evidência de que a biologia tenha um papel mais forte do que os fatores psicossociais, mas a investigação é cada vez mais focada na dinâmica cerebral relacionada”, observa.

 

No que concerne à pesquisa científica das medidas neurobiógicas, acredita-se que duas áreas estão particularmente relacionadas aos transtornos mentais: a genômica e os estudos do circuito cerebral. A genômica é fundamental para a pesquisa biomédica, por ser a parte da genética que estuda o mapa genético de cada pessoa. Porém, os genes podem explicar apenas uma parte das predisposições para o desenvolvimento de algum transtorno. “Embora raras, as mutações de um único gene estão na raiz de doenças hereditárias, como fibrose cística e a doença de Huntington. A maioria dos transtornos mentais não são causadas por mutações em um gene. Em vez disso, esses transtornos são ‘complexos’ ou poligênicos, o que significa que eles estão associados a variações nos genes múltiplos, provavelmente em combinação com fatores ambientais e vivenciais”, diz o Plano Estratégico RdoC do NIMH. Assim, as variações genéticas não representam as únicas causas dos transtornos mentais. Pelo que foi estudado até o momento, elas causam o crescimento da probabilidade de alterar, através de proteínas, células e circuitos importantes para o comportamento e a cognição. Atualmente, já é possível ver como as diferenças na sequência genética estão associadas a diferenças de arquiteturas nos circuitos do cérebro ou da função cerebral, mesmo em pessoas que não apresentam qualquer tipo de transtorno.

 

Essas relações tão complexas trazem ao debate questões que vinculam os dados científicos às características sociais dos indivíduos. “Hoje reconhecemos a complexa interação entre natureza (genética) e a forma de criação (meio ambiente), ao perguntarmos como a experiência pessoal de cada um interage com a suscetibilidade biológica (para aumentar o risco ou a resiliência – capacidade de superar). Por exemplo, certas experiências, tais como maus tratos na infância, podem interagir com a vulnerabilidade genética de uma pessoa, aumentando o risco para o desenvolvimento do transtorno de estresse pós-traumático ou depressão na idade adulta. Outras influências, como receber o apoio social positivo, podem compensar os efeitos negativos desses ‘genes de risco’ e podem funcionar como uma blindagem contra o desenvolvimento de um transtorno mental mais adiante”, diz o Plano Estratégico RdoC. Nesse sentido, é importante que a pesquisa assuma também estudos sociais, ressalta Horwitz. “Fatores sociais como pobreza, desigualdade, status, eventos estressantes da vida, e a habilidade de alcançar objetivos importantes são consideráveis tanto para levar pessoas a desenvolver uma má saúde mental como para precipitar a doença mental entre aqueles com predisposição biológica ou psicológica. Os fatores sociais relacionados à quantidade de apoio social que cada pessoa tem constituem fatores determinantes de quais pessoas entre as que enfrentam situações de estresses irão lidar com sucesso com essas situações ou não”, avalia.

 

A emaranhada teia da mente

 

O cérebro humano é uma rede complexa composta por mais de 100 bilhões de neurônios que interagem através de pulsos elétricos, formando um circuito tão grande e emaranhado que é extremamente complicado estudá-lo, quer seja por suas interações físicas quanto funcionais, principalmente porque pulsos e os neurônios são, praticamente, indistinguíveis.

 

O passo inicial para possibilitar pesquisas dessa natureza ocorreu no final do século XIX, com o médico espanhol Santiago Cajal, considerado o “pai da neurociência moderna”, que rotulou um pequeno grupo de neurônios, identificando os elementos celulares dos circuitos neurais. “O pequeno número de células marcadas, entretanto, também foi uma limitação, pois informações quantitativas, como divergência e convergência das transmissões sinápticas são inacessíveis”, diz um artigo de pesquisadores do Departamento de Biologia Molecular e Celular e do Centro de Ciências do Cérebro da Universidade de Harvard publicado na revista Nature. Essa equipe apresentou, em 2007, a primeira estratégia de visualizar os circuitos sinápticos através de neurônios geneticamente marcados com múltiplas cores. A nova técnica, chamada de “Brainbow” (uma fusão de cérebro com arco-íris), fornece meios para a detecção de populações inteiras de neurônios. Contudo, esse estudo representa apenas outro começo para as possíveis possibilidades de mapeamento do circuito cerebral.

 

A urgência e a importância de propostas como essa não deve ser ignorada. Apenas nos Estados Unidos, a cada ano, cerca de 13 milhões de pessoas adultas – aproximadamente uma em cada dezessete – apresentam alguma forma de transtorno mental grave, sendo que os distúrbios de saúde mental são a principal causa de incapacidade nos Estados Unidos e no Canadá. Esse rastreamento do cérebro, contudo, pode não ser o bastante. “Atualmente, o conhecimento científico sobre os fundamentos biológicos e genéticos dos transtornos mentais não é avançado o suficiente para ter levado a avanços significativos na compreensão e no tratamento de uma condição particular. De fato, a atual ênfase exagerada no que diz respeito a fatores relacionados ao cérebro pode ter desviado a atenção de outros fatores, incluindo histórias de condicionamento individual, dinâmica familiar, e das condições sociais que poderiam fornecer as chaves mais importantes para compreender e tratar doenças mentais”, comenta Horwitz.

 

A crítica, para ele, é inevitável. “Eu acho que o RDoC é muito prematuro. Não se sabe o suficiente sobre as bases genéticas da suposta doença mental para desenvolver um sistema de diagnóstico tal como o RDoC. É bem possível que a suposição assumida possa levar as investigações sobre etiologia e tratamento da doença mental a graves desvios”, avalia. Assim como o DSM, o RdoC baseia-se nos grandes avanços tecnológicos, como as análises do circuito cerebral, suas funções cognitivas, seus mecanismos de acesso e transmissão, e o mapeamento genético. Ambos ainda estão em suas fases iniciais de desenvolvimento e não preveem grandes esforços no que diz respeito à análise social para delinear o caminho para a prevenção e a recuperação ou a cura de transtornos mentais.