Cada ouvido está modulado pelo outro e este mecanismo influencia na audição
José Pichel Andrés/DICYT O funcionamento de cada ouvido de uma pessoa está modulado pelo outro em um ato reflexo. Um trabalho do Instituto de Neurociências de Castela e Leão (Incyl) demonstrou pela primeira vez que este mecanismo tem conseqüências sobre a audição. Um artigo publicado na revista Journal of the Association for Research in Otolaryngology indica que desta forma se facilita a escuta em ambientes ruidosos.
“Sabe-se há tempos que os ouvidos não funcionam de maneira isolada, isso é, cada ouvido não é um receptor acústico isolado e invariável, mas que o funcionamento de um ouvido está modulado pelos sons que recebemos através do ouvido contrário”, explica Enrique López Poveda, cientistas do Incyl e responsável por esta pesquisa.
“É como se tivéssemos duas câmeras de fotos conectadas e uma delas controlasse o objetivo da câmera do lado e vice-versa, em função da imagem que cada uma recebe”, afirma. Ademais, seria um mecanismo automático sem intervenção do fotógrafo, isso é, não se trata de que o cérebro processe sons, o que também faz por meio de outras vias, mas de que os receptores dos sons, os ouvidos, mudem em função das circunstâncias.
A novidade do artigo publicado é a demonstração de que este mecanismo tem conseqüências sobre a audição. “Pela fisiologia do sistema auditivo sabíamos que isto deveria ter efeitos sobre a audição, mas não se havia demonstrado. O que ocorre é que quando se escuta algo através de um ouvido e o som está no outro, o funcionamento do primeiro é diferente”, explica Enrique López Poveda.
Tudo indica que este ato reflexo facilita a escuta em ambientes de ruído. “O som recebido pelo ouvido contrário reduz a sensibilidade do som que escutamos, isso é, faz perder audição para ganhar na relação entre sinal e ruído”, indica.
Modular a relação entre sinal e ruído
Geralmente o ouvido amplifica os sons de baixa intensidade sem amplificar os de alta intensidade. Desta forma, em uma situação na qual existe menos ruído do que sinal, amplifica-se o ruído mais do que o sinal. Assim, este controle evita a amplificação do ruído. Para conseguí-lo deve-se fazer com que o sistema seja menos sensível, criando-se uma pequena perda auditiva para facilitar a escuta em ambientes ruidosos.
Estudos de laboratório indicam que este mecanismo facilita a escuta em ambientes ruidosos, mas as pesquisa realizadas para demonstrar se os sons que recebem através de um ouvido melhoram a escuta no outro não demonstraram este efeito na vida real. “A dificuldade para demonstrá-lo na vida real se deve, provavelmente, a que a fala é muito redundante e podemos escutar o que nos dizem através do telefone, apesar de que o som que nos chega seja muito deficiente, porque a fala natural tem mais informação do que a necessária para entender-nos”, indica o pesquisador. Isso é, que em teoria não seria necessário dispor dos benefícios deste mecanismo para poder entender a fala.
Em todos os casos, os pesquisadores do Incyl desenharam um experimento para tentar demonstrar o suposto benefício deste controle fazendo com que a tarefa da percepção da fala seja mais difícil, por exemplo, reduzindo o conteúdo em freqüência.
Por outro lado, o controle é maior sobre a região de freqüências graves do ouvido interno, do que sobre a região de freqüências agudas, ainda que os cientistas desconheçam que implicações pode ter isto para perceber a fala de uma pessoa.
Referência bibliográfica
Enzo Aguilar, Almudena Eustaquio-Martin, Enrique A. Lopez-Poveda. Contralateral Efferent Reflex Effects on Threshold and Suprathreshold Psychoacoustical Tuning Curves at Low and High Frequencies. Journal of the Association for Research in Otolaryngology. DOI: 10.1007/s10162-013-0373-4