Ciencias Sociales Brasil Campinas, São Paulo, Martes, 01 de junio de 2010 a las 12:10
Literatura e cinema

Quando a ficção inspira a ciência

Imaginação artística alerta para os riscos dos avanços científicos

Danilo Albergaria/Ciência e Cultura/Labjor/DICYT O fim do mundo do século XXI é quente, tem atmosfera cinzenta, derrete geleiras, inunda áreas populosas, desertifica florestas tropicais e responde pelo nome de aquecimento global. Os cientistas (ou boa parte deles) assumem a postura de quem soa o alarme para reverter nossa queda iminente no abismo da extinção.


Apesar do papel de alertar para desastres iminentes, a ciência ocupou um indesculpável lugar de destaque na escalada de conhecimento que nos deu o dúbio título de primeira espécie a ser capaz de se auto-extinguir (e, de quebra, levar consigo todas as outras). Cruzando os caminhos da ciência e dos homens responsáveis pelas bombas nucleares com o ambiente cultural de sua época, o historiador britânico Peter D. Smith produziu um calhamaço de mais de 500 páginas de uma narrativa muito bem escrita: Os homens do fim do mundo: o verdadeiro Dr. Fantástico e o sonho da arma total, editado no Brasil pela Cia.

 

Das Letras

 

Muito já se escreveu sobre Guerra Fria, a corrida armamentista entre Estados Unidos e a então União Soviética, como também sobre o papel da ciência nesse perigoso jogo. Porém, o que torna o livro de Smith algo muito valioso é sua abordagem baseada num riquíssimo levantamento da produção, desde o século XIX até os anos 1960, da ficção científica e da literatura que lidou com os dilemas da ciência. O professor e pesquisador da University College London combina o background biográfico de cientistas-chave, seu expressivo conhecimento de história da física e uma abordagem culturalista para demonstrar como a ciência e a imaginação artística, de Goethe a Stanley Kubrick, se envolveram num jogo de retroalimentação que, simultaneamente, alertou para os perigos da obtenção de armas altamente destrutivas e produziu a paranóica realidade da ameaça do conflito nuclear no auge da Guerra Fria.


O livro de Smith pode ser visto como uma tentativa de mostrar a força do imaginário na construção da realidade que os homens experimentam. Graças ao extenso levantamento documental (tão extenso que, às vezes, Smith soa repetitivo e pouco conciso) sobre a ficção científica, seja ela da melhor cepa, sejam as mais baratas histórias veiculadas em revistas populares, o livro convence o leitor de que a interação entre ciência e imaginação ficcional é mais profunda e complexa do que o senso comum faz crer. Não há fórmulas que permitam saber se é a ciência quem alimenta a imaginação literária sobre ela, ou se o que acontece é o contrário. Sem ousar estabelecer qualquer tipo de relação causal entre essas "duas culturas" – pois ambas contribuem para a formação do espírito de uma época – Smith mostra competentemente a maneira como imagens, visões e sonhos sobre o conhecimento científico fertilizaram tanto a imaginação dos físicos teóricos quanto a de jornalistas de ciência e escritores de ficção científica.


A ficção de WellsNada exemplifica isso melhor do que a história do físico húngaro Leo Szilard. Ele é o homem que teve alguns dos insights mais decisivos para que uma expectativa geral das primeiras décadas do século XX se tornasse exequível: a de que seria gerada uma quantidade enorme de energia a partir da manipulação da matéria ao nível do átomo. Como Smith conta, o físico era um leitor ávido de ficção científica e, principalmente, de Herbert G. Wells, autor da conhecida obra Guerra dos mundos. Szilard reconheceu a dívida com Wells sobre o conceito de reação em cadeia em que nêutrons despedaçam núcleos atômicos – que acabou sendo a base tanto da geração de energia nuclear pacífica quanto a da bomba atômica.


A Szilard é atribuída a visão de uma "arma total" que extinguiria a vida na Terra, um dos fios que orientaram Smith no labirinto dessa história. A "bomba de cobalto" estaria quase ao alcance da tecnologia da época e é a mesma arma que destruiria o mundo no clássico de Kubrick, Dr. Fantástico, de 1964.


O livro de Smith é recheado de exemplos de "Doutores Fantásticos" que, como Teller e o inventor do foguete nazista V2, Wernher von Braun, não demonstram qualquer preocupação ou dilema moral com o uso que será feito do brilhante e catastrófico resultado de seu trabalho. Trata-se, no fundo, de um lembrete de que a ameaça permanece.