Tecnología Brasil Campinas, São Paulo, Jueves, 16 de febrero de 2012 a las 11:49
Meio Ambiente

Termina expedição para instalar a caixa gelada da ciência brasileira

Instalação de equipamento no continente antártico, concluída no início deste ano, vai permitir que pesquisadores brasileiros estudem condições atmosféricas e fenômenos meteorológicos que influenciam o clima do planeta

Romulo Orlandini/ComCiência/Labjor/DICYT - Cientistas brasileiros concluíram em janeiro, a primeira fase de instalação do módulo de pesquisa da expedição Criosfera 1 no interior do continente antártico.

 

É o primeiro passo do projeto, pioneiro no país, que agora passa a funcionar automatizado até o fim do ano. A ideia do módulo nasceu em 2008, quando uma equipe da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) realizou o primeiro acampamento científico brasileiro no interior do continente. Até então as pesquisas eram feitas somente na costa e no oceano ao redor da Antártica.

 

Para o coordenador da expedição e explorador polar Jefferson Cardia Simões o projeto é um avanço na pesquisa glacial brasileira. "Imediatamente abre portas para a inserção do Brasil em programas de pesquisa internacionais (por exemplo, o International Partnership on Ice Core Sciences) que propõe a reconstrução da história do clima e da química atmosférica em diversas escalas de tempo. Dará novos dados para modelos do clima para a América do Sul, em especial para o Brasil", disse.

 

O módulo é a caixa gelada da ciência nacional: dotado de um sistema eólico e solar que permitem mantê-lo em funcionamento, os cientistas vão estudar a atmosfera antártica e o manto de gelo, monitorando aerossóis (minúsculas partículas líquidas ou sólidas suspensas na atmosfera que influenciam no clima do planeta), acumulação de neve e concentrações de gás carbônico (CO²). Multiusuário, o Criosfera 1 é também uma estação meteorológica, que envia dados sobre temperatura do ar, pressão atmosférica, umidade relativa, intensidade, direção do vento e radiação solar global.

 

"Além da questão atmosférica, existem interesses na área de astrofísica, em virtude da localização geográfica, de microbiologia polar, biotecnologia, estudos sobre meteoritos, entre outras modalidades", completa Heitor Evangelista, membro da expedição e professor da UERJ.

 

As informações são transmitidas via satélite e são acessadas, via internet, pelos computadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). "O transmissor simplesmente emite a cada 3 minutos um pulso com as informações da hora cheia anterior", explica o coordenador técnico, Marcelo Sampaio. O módulo envia tanto dados científicos quanto do comportamento dos aparelhos de medição.

 

A história escrita no gelo

 

Criosfera, do grego kryos, é o nome da superfície da Terra coberta por neve ou gelo. É um arquivo natural que preserva informação sobre condensação e precipitação da neve. A análise detalhada do material pode mostrar como era a composição química atmosférica e eventos climáticos ao longo dos séculos. É possível medir, por exemplo, a variação da temperatura média superficial do planeta, origem da precipitação, atividade biológica terrestre e marinha, poluição global, atividade solar, vulcanismo, processos de desertificação e nível dos mares.

 

"Dez por cento do planeta Terra ainda é coberto por gelo e neve. Esta massa de gelo tem papel essencial no sistema climático global, e mesmo pequenas variações no volume de gelo sobre os continentes têm extremo impacto na circulação geral da atmosfera e dos oceanos, e no nível médio dos mares. O Brasil é o sétimo país mais próximo da maior parte da Criosfera. Hoje sabemos que, para os processos climáticos e mudanças do clima, a Criosfera é tão importante como a Amazônia. Não conseguiremos melhorar nossa previsão climática sem incluirmos a Criosfera", explica Jefferson Simões.

 

Desde a Revolução Industrial (por volta de 1850) houve um aumento de 40% na concentração de gás carbônico e 150% na de gás metano na atmosfera. De acordo com Simões, ao longo dos últimos 800 mil anos nunca a concentração desses dois gases superou os valores das últimas três décadas.

 

O projeto brasileiro conseguiu perfurar 100 metros no gelo, que os pesquisadores chamam de "testemunhos do gelo". As informações auxiliam na negociação dos protocolos ambientais e discussões do Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima (IPCC).

 

No caso brasileiro, as amostras coletadas pelos cientistas revelarão dados de cerca de 300 anos da história climática. Elas serão derretidas no Climate Change Institute da University de Maine, nos Estados Unidos.

 

Instalação

 

Levar o Criosfera 1, uma espécie de contêiner de 3,5 toneladas, com 2,5 m de largura, 6 m de comprimento e 2,4 m de altura demandou logística por parte da equipe, uma vez que nada do tipo havia sido feito por brasileiros. Montado na Suécia, o módulo também passou pelo Rio de Janeiro e por São José dos Campos antes de ser transportado de caminhão até Punta Arenas, no Chile. O transporte até o continente gelado foi feito por um navio russo.

 

"Partindo deste ponto, foi colocado sobre esquis e transportado com a ajuda de um trator até a latitude 84S, numa travessia perigosa, por várias geleiras, que durou cerca de cinco dias. Com a ajuda da engenharia do Inpe, construímos aqui no Brasil, em tempo recorde, as estruturas de elevação do módulo. Na latitude 84S erguemos o módulo 1,5m da superfície", explica Heitor Evangelista, que coordenou o módulo. O trabalho de instalação durou 27 dias.


Para evitar acúmulo de neve, o módulo está instalado há um metro e meio do chão. No teto, cinco antenas e uma série de aparelhos captam informações. Quatro painéis solares de175 watts e quatro geradores eólicos, com 160 watts cada, são utilizados na conversão de energia. Eles alimentam as baterias, que têm autonomia de quatro dias sem vento ou sol. Caso haja algum problema, o módulo ainda tem uma bateria que irá manter somente os equipamentos essenciais, fazendo backup dos dados.

 

Cinco janelas permitem a entrada de luz solar que, junto com paredes revestidas com placas de poliestireno de alta densidade, mantêm a temperatura interna do módulo em cerca de 12ºC (positivos). Até março, a Antártica tem a presença do sol 24 horas – o que facilita a captação de energia e a absorção de calor.

 

A partir de abril, o fenômeno se inverte e o sol deixa de aparecer por cerca de cinco meses. Sem troca de calor, o módulo Criosfera 1 ficará com a temperatura ambiente de aproximadamente -45ºC. Para o engenheiro Marcelo Sampaio, a principal dificuldade foi encontrar materiais eletrônicos e mecânicos que suportassem o frio intenso. Durante a montagem, vários cenários de falhas tiveram que ser pensados previamente.

 

"Procuramos também minimizar o risco de uma falha desencadear outra. Os filtros de ar para estudos dos aerossóis, por exemplo. Temos uma bomba para cada mês de amostra e dois controladores, um para cada semestre. Deste modo, se a bomba de abril fechar, por exemplo, não impede que a de maio funcione. Se o controlador do primeiro semestre falhar, o do segundo pode funcionar sem problemas", disse.

 

De acordo com Jefferson Simões, a missão teve custo total estimado de R$ 1,5 milhão, sendo que um milhão foi gasto em logística como transporte do módulo, dos equipamentos e alimentação. A cifra inclui também o pagamento dos pesquisadores.

 

Duas fontes de recursos contribuíram para o projeto: editais de pesquisa do Programa Antártico Brasileiro (Proantar) junto com o CNPq e recursos do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia da Criosfera, além do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.

 

O Criosfera 1 está localizado a 2500 quilômetros ao sul da Estação Antártica Comandante Ferraz, em uma área mais fria, porém com ventos de menos intensidade e menores rajadas. A montagem e instalação dos aparelhos do módulo demandou um grupo de 17 pesquisadores. O projeto contou com apoio das universidades federais do Rio Grande do Sul (UFRGS), Rio Grande (Furg), Fluminense (UFF), Viçosa (UFV), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e Observatório Nacional (ON). A experiência dos chilenos Centro de Estudios Científicos (Cecs) e Instituto Antártico Chileno (INACh) também ajudou nos trabalhos de instalação.