Salud Brasil Campinas, São Paulo, Miércoles, 04 de mayo de 2011 a las 17:14
Saúde e Medicina

Uma breve história das revisões do DSM

Em toda sua história, a medicina buscou criar uma classificação das doenças mentais.

ComCiência/Labjor/Marcio Derbli/DICYT Em toda sua história, a medicina buscou criar uma classificação das doenças mentais. A criação do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM) pela American Psychiatric Association (APA), em 1952, derivou da necessidade de uma sistematização das diversas classificações existentes nos Estados Unidos desde 1840. Naquela época, se situa a primeira tentativa de levantamento das doenças mentais, numa classificação que continha subtipos como idiotia e insanidade. Atualmente, a mesma APA tem grupos de trabalho discutindo a nova revisão do DSM, que resultará na quinta versão do manual, a qual deverá ser lançada em 2013.

 

Em 1880, com a realização de um censo em instituições psiquiátricas norte-americanas, foram descritas sete formas de insanidade: melancolia, mania, monomania, demência, dipsomania, paresia e epilepsia. Já no século XX, em 1917, a American Medico-Psychological Association (atual APA) uniu forças com a National Commission on Mental Hygiene para desenvolver um sistema classificatório das desordens mentais mais consistentes, ainda que funcionasse mais como uma classificação estatística do que como um manual de diagnóstico.

 

A partir da Segunda Guerra Mundial, com o desenvolvimento de nomenclaturas para desordens mentais realizadas pelo exército americano para o tratamento dos veteranos da guerra e a insatisfação da psiquiatria norte-americana com a primeira classificação de desordens mentais incluída na Classificação Internacional de Doenças (CID-6), proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS), foi publicada a primeira versão do DSM, em 1952. Nessa primeira versão, foram listadas 106 desordens mentais.

 

A insatisfação dos psiquiatras norte-americanos, sob influência dos modelos psicodinâmico e psicossocial da psiquiatria, se devia à ausência de categorias nosológicas, ou seja, agrupamentos de sintomas e características que ajudassem a definir determinadas doenças e pudessem auxiliar no diagnóstico dos pacientes. O modelo teórico seguido pelos psiquiatras dos Estados Unidos era influenciado por ideias da psicanálise. Entre essas ideias estava, por exemplo, o entendimento da saúde e da doença mental como um estado transicional fluido, sendo que um indivíduo dito “normal” poderia adoecer caso fosse exposto a traumas severos.

 

Após a publicação do DSM, a OMS reviu sua classificação no CID-6, mas não incorporou muitas mudanças em sua nova versão, a sétima, causando novamente insatisfação da psiquiatria – agora também em outros países. Assim, a OMS convocou um grupo de trabalho para reavaliar a classificação, inclusive com membros da APA, que haviam formulado o DSM–I. Dessa forma, em 1968, ambas as associações publicam novas versões de suas classificações: a CID-8, que absorve novas categorias, e o DSM-II, que contém agora 182 desordens mentais. As duas publicações consistiam das mesmas categorias, entretanto o DSM apresenta algumas novas divisões e subdivisões, além de algumas novas categorias.

 

A terceira revisão do DSM, porém, traz uma importante mudança de paradigma na classificação das doenças, até então influenciada pelo modelo da psiquiatria social psicodinâmica, e tal mudança se deveu ao campo de batalha que se tornou a área. A partir dos anos 1960, a psiquiatria passou a ser questionada por diversas frentes. Dentro da comunidade de psiquiatras, havia a insatisfação com as pesquisas geradas pelo modelo vigente e, entre os profissionais mais próximos à vertente biológica, o descontentamento era pelo distanciamento da medicina mais “tradicional”. Havia, na época, um movimento denominado “antipsiquiatria”, o qual proclamava que a definição das doenças mentais deveria ser prerrogativa das ciências sociais, dado que as suas causas eram psicossociais; além disso, as verbas para pesquisa na área caíram cerca de 5% ao ano, entre 1965 e 1972, demonstrando insatisfação por parte das entidades governamentais com os resultados das pesquisas realizadas pelo modelo psiquiátrico da época.

 

Outra demanda da sociedade (e da classe médica) era a exclusão da categoria homossexualismo do manual – solicitação que foi atendida antes da publicação da nova versão, em votação na APA. Em suma, a psiquiatria estava acuada e precisava se impor como uma especialidade médica respeitada. Finalmente, havia uma mudança tecnológica importante que influenciava tanto os tratamentos psiquiátricos como o diagnóstico: o desenvolvimento de psicofármacos.

 

Para responder aos diversos ataques, a APA, em 1977, convocou novamente um grupo de trabalho para revisar o manual, formado por uma equipe mais homogênea, liderada pelo psiquiatra Robert Spitzer. As diretrizes para a reforma do DSM eram a adoção de critérios descritivos, enfatizando sintomas observáveis, além de renegar modelos teóricos (como foram as duas primeiras versões, que privilegiavam fatores etiológicos). Nessa versão também se introduziu o termo desordem mental em substituição ao termo doença mental.

 

O processo revisional foi acompanhado por diversas críticas da comunidade psiquiátrica. Os críticos consideravam que os revisionistas procuravam retirar da nova versão qualquer menção à etiologia das doenças, afastando-se, assim, da nomenclatura existente no CID-9, a versão da época da classificação da OMS. E, no auge das críticas, questionou-se a intenção do grupo revisionista de retirar do novo DSM a categoria “neurose” como entidade nosológica. A retirada da categoria foi considerada como a pá de cal no modelo psicodinâmico e psicossocial da psiquiatria.

 

Para evitar que a nova versão do DSM fosse renegada pela classe psiquiátrica, o grupo liderado por Spitzer fez algumas concessões, como a manutenção da categoria “transtorno neurótico”, com a devida explicação na introdução do manual sobre a diferença entre o transtorno (como conceito descritivo) e o processo neurótico (como um conceito etiológico). Com as devidas concessões e consensos, o DSM-III foi publicado em 1980, com 265 categorias diagnósticas.

 

Três anos depois, o mesmo Spitzer comanda um grupo para revisar a recém publicada versão. O DSM-III-R (versão revisada) é publicado em 1987 e vem com novas definições para categorias já propostas e sugere a inclusão de algumas categorias em estudo. Em 1994, a APA publicou a versão atual do DSM, a quarta. Esta última versão mantém a orientação descritiva das duas anteriores, fazendo poucas alterações na versão de 1987.

 

Fontes:

“Mudanças nos conceitos de ansiedade nos séculos XIX e XX: Da neurose de angústia ao DSM-IV”, Viana, M.B., tese de doutorado, UFSCar.

Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-IV)