Cultura Brasil Campinas, São Paulo, Miércoles, 14 de mayo de 2014 a las 10:33

Segunda edição do livro 'Cafundó - a Àfrica no Brasil' revisita comunidade quilombola

Comunidade no interior de São Paulo mantém viva a língua cupópia, herança africana que a distinguiu de outros grupos

Gabrielle Adabo/ComCiência/Labjor /Dicyt - Em 1978, o linguista Carlos Vogt e o antropólogo Peter Fry iniciaram a pesquisa em uma comunidade rural localizada em Salto de Pirapora, interior de São Paulo, que resultou, 18 anos depois, no livro Cafundó: a África no Brasil. Hoje, também 18 anos depois da primeira publicação, o livro ganha a segunda edição à qual foi somada nota e fotografias que relatam o retorno dos pesquisadores ao campo e mostram a atual situação da comunidade.


O bairro chamado de Cafundó atraiu a atenção da mídia na década de 1970 pela peculiaridade de seus moradores, descendentes de escravos, falarem uma língua chamada de cupópia, originária da África. Na época, os pesquisadores se depararam com duas grandes famílias -os Pires e os Almeida Caetano - que habitavam as terras herdadas por um senhor de escravos aos ancestrais dessas famílias. Os títulos da propriedade, no entanto, não estavam nas mãos da comunidade, pois grande parte das terras havia sido apropriada por fazendeiros e sitiantes.

 

O processo para a regularização do território é antigo: começou em 1972, com ação iniciada pelo morador do Cafundó Otávio Caetano, a quem o livro é dedicado. Em 1999, a comunidade começou a ser reconhecida como remanescente de quilombo e, em 2006, deu-se início à regularização das terras. Em 2009, foram feitas quatro ações com o pedido de desapropriação que, juntas, reivindicavam uma área de aproximadamente 220 hectares. Dois dos imóveis que estavam nas mãos de particulares já foram desapropriados e entregues para a comunidade e outros dois estão em processo de desapropriação.

 

“As coisas também mudaram bastante nesses últimos 18 anos, sobretudo uma questão que era candente desde quando fomos lá a primeira vez, que era a questão das terras, tanto da recuperação legal das terras, quanto da solução dos conflitos que havia em torno desse tema, conflitos que nos anos 1970 resultaram em morte. Foram questões que, ao longo desses 36 anos, de alguma forma, foram sendo encaminhadas para soluções”, afirma Carlos Vogt.

 

Hoje, cerca da metade das terras do Cafundó pertence aos moradores em forma de títulos públicos, em nome da Associação Remanescente de Quilombo Kimbundu do Cafundó. Essa forma de possuir as terras, que impossibilita que elas sejam comercializadas, contribuiu para fixar as duas famílias na terra, atrair outras que haviam saído do Cafundó e ampliar os laços entre elas, com, inclusive, o casamento de membros entre si, conforme relatam os pesquisadores na “Nota para a 2ª edição”. Hoje, há 25 famílias na comunidade. Uma delas é a de Assis Pires, o menino professor que dava aulas em uma escola improvisada em um barracão da comunidade. Na primeira visita dos pesquisadores ele tinha apenas 11 anos; hoje tem cinco filhos e uma neta.

 

O livro, publicado pela Editora da Unicamp, traz um caderno de imagens que conta com fotos antigas do Cafundó e seus moradores e novas imagens feitas em 2013 que permitem visualizar os dois momentos. Uma das mudanças é a substituição das construções de pau a pique e barro batido por casas de alvenaria. A comunidade também recebeu incentivos como veículos, máquinas de plantio e cultivo e estufas, todos de uso coletivo na comunidade. “Eles têm uma situação que permite, de alguma forma, que a comunidade se mantenha e mantenha aquilo que a distinguiu do ponto de vista cultural, durante esses anos todos, que é a cupópia. De modo que é, do ponto de vista linguístico e do ponto de vista do papel da remanescência dessa língua no vocabulário cotidiano dos moradores, um caso singular no país”, ressalta Vogt.

 

Segundo ele, historicamente vocabulários semelhantes ao do Cafundó foram diluídos na sociedade, mas, neste caso, há a particularidade da cupópia ter permanecido. “Permaneceu pelo fato de a comunidade e de os moradores terem permanecido e não só o pessoal que tinha a liderança, mas os seus descendentes, no caso os primos do Otávio Caetano, e pelo fato de que, amparados em processos legais, a comunidade foi conseguindo, em nome da associação, a recuperação de terras e, consequentemente, condições materiais a essa permanência”.

 

Na capa da nova edição está o desenho que se encontra na fachada da sede comunitária do Cafundó, o “desenho de uma figura humana negra, ladeada por duas cabeças coloridas para as quais flui, de cada lado da figura, um brilho dourado em forma de cone, como se fossem asas de luz”, conforme descrevem os pesquisadores no livro. Sobre o desenho, a inscrição Turi Vimba, escrita em cupópia, que significa “uma terra de negro”.

 

Leia também a resenha da primeira edição de Cafundó: a África no Brasil, por Rodrigo Bastos Cunha, também publicada na revista ComCiência.