Salud Brasil , São Paulo, Jueves, 28 de abril de 2016 a las 13:20

Estudo desvenda comunicação entre neurônios e células de defesa no intestino

Estudo publicado recentemente na revista 'Cell'

Agência FAPESP/DICYT Um estudo publicado recentemente na revista Cell revelou como a comunicação entre neurônios que inervam o intestino e um tipo de célula de defesa conhecido como macrófago permite modular localmente a resposta imunológica a antígenos potencialmente patogênicos, evitando danos ao tecido.

 

A investigação foi conduzida com o apoio da FAPESP durante o doutorado de Ilana Gabanyi, atualmente pós-doutoranda na The Rockefeller University, nos Estados Unidos.

 

“Nossa linha de pesquisa busca identificar as vias bioquímicas envolvidas nessa regulação neuroimune, pois acreditamos que os resultados ajudarão a entender e a tratar as doenças intestinais crônicas, como, por exemplo, a síndrome do intestino irritável”, disse Gabanyi em entrevista à Agência FAPESP.

 

Conforme explicou a pesquisadora no artigo, o intestino está constantemente exposto a antígenos diversos – tanto aqueles presentes nos alimentos ingeridos como nos milhares de microrganismos que compõem a flora intestinal. O órgão necessita, portanto, de mecanismos capazes de equilibrar a resposta imunológica a esses antígenos, pois uma inflamação exacerbada poderia ser lesiva ao tecido.

 

“Descobrimos que, dentro do intestino, ocorre uma subespecialização dos macrófagos. Aqueles que ficam próximos ao lúmen intestinal e são capazes de perceber a presença de patógenos têm um perfil mais pró-inflamatório, enquanto os macrófagos localizados junto à parede intestinal – sem contato com os potenciais invasores – apresentam perfil mais anti-inflamatório”, contou Gabanyi.

 

O grupo também observou que, na presença de uma bactéria potencialmente patogênica, um determinado grupo de neurônios é ativado e passa a liberar um neurotransmissor conhecido como noradrenalina. Ao entrar em contato com os macrófagos situados perto da parede intestinal, a substância induz a expressão de genes anti-inflamatórios.

 

Montando o quebra-cabeça

 

Para chegar a essas conclusões, o grupo coordenado pelo professor brasileiro Daniel Mucida, do Laboratório de Imunologia da Mucosa da Rockefeller University, realizou diversos experimentos em modelos de camundongos. O trabalho contou também com a ajuda do professor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da Universidade de São Paulo (USP) Frederico Azevedo da Costa Pinto, graças a uma bolsa da FAPESP para estágio no exterior.

 

Aos animais, foi administrada por via oral uma quantidade massiva de bactérias do gênero Salmonella atenuadas. Embora não fossem capazes de causar uma infecção propriamente dita, esses microrganismos eram reconhecidos e desencadeavam uma resposta imunológica. Duas horas depois, os pesquisadores analisavam as diversas camadas do intestino dos roedores.

 

“Após esse período, já podíamos ver claramente uma diferença na expressão dos genes nos dois grupos de macrófagos. Naqueles mais distantes do lúmen e das bactérias – que chamamos de macrófagos da muscularis – estava aumentada a expressão de genes anti-inflamatórios. Já nos chamados macrófagos da lâmina própria (próximos ao lúmen), que naturalmente apresentam uma regulação pró-inflamatória, o padrão de expressão gênica não havia mudado muito”, contou.

 

Segundo Gabanyi, exames de imagem haviam revelado uma grande proximidade entre os macrófagos da muscularis e os neurônios no tecido intestinal, o que levou os pesquisadores a suspeitar que os dois tipos de célula poderiam estar se comunicando.

 

“Como essa alteração na expressão dos genes ocorria de maneira muito rápida, suspeitamos que poderia ser via neuronal”, disse Gabanyi.

 

Ao analisar os macrófagos da muscularis, o grupo observou que entre as proteínas mais expressas na superfície estavam os receptores beta2-adrenérgicos, justamente aqueles que respondem à noradrenalina.

“Vimos que os macrófagos da muscularis expressavam uma quantidade muito maior de receptores beta2-adrenérgicos que os demais macrófagos do intestino”, contou Gabanyi.

 

Ao repetir o experimento anterior usando camundongos geneticamente modificados para não expressar o receptor beta2-adrenérgico, os pesquisadores observaram que o aumento na expressão dos genes anti-inflamatórios não ocorria, confirmando que a via não era ativada sem a ação da noradrenalina sobre os macrófagos.

 

O passo seguinte foi investigar quais neurônios estavam liberando o neurotransmissor capaz de modular a resposta imune. Segundo Gabanyi, já era sabido que neurônios intrínsecos ao intestino, ou seja, aqueles cujo corpo celular fica dentro do órgão, não liberam noradrenalina.

 

“Imaginamos então que poderiam ser os neurônios do gânglio simpático, localizados próximos à coluna vertebral. É um grande conjunto de neurônios que faz parte do sistema nervoso periférico, cujos axônios chegam até o intestino", explicou a pesquisadora.

 

A suspeita foi confirmada novamente por meio de experimentos com camundongos geneticamente modificados. Nesse caso os animais expressavam proteínas fluorescentes que permitiam observar, ao microscópio, a ativação desses neurônios.

 

Atualmente, o grupo tenta descobrir como esses neurônios do gânglio simpático conseguem perceber a presença de bactérias e outros patógenos, ou seja, qual é o primeiro estímulo ao qual respondem liberando noradrenalina.

 

“Também estamos investigando qual o papel dos macrófagos da muscularis durante uma resposta inflamatória nesse tecido. Nossa suspeita é que uma das funções dessas células de defesa é justamente proteger os neurônios”, disse Gabanyi.

 

Na avaliação da pesquisadora, é provável que exista uma forte relação entre os mecanismos de regulação neuroimune observados nos camundongos e o que ocorre no organismo humano.

 

“Ninguém ainda estudou isso em humanos, mas há evidências de que existe essa relação. Algumas pessoas, por exemplo, desenvolvem síndrome do intestino irritável após um episódio de infecção intestinal”, afirmou.

 

A pesquisadora acredita que, no futuro, será possível pensar em meios para ativar essa via de comunicação entre neurônios e macrófagos – o que seria útil no tratamento de pacientes com doenças intestinais crônicas.