Ciencias Sociales Brasil Campinas, São Paulo, Miércoles, 22 de junio de 2016 a las 16:53
Educação científica

O que as escolas devem ensinar sobre ciência?

Com segunda versão lançada no mês de maio, a Base Nacional Comum define os conteúdos mínimos para o currículo da educação básica no país

Por Ana Motta e Thais Marin / ComCiência / Labjor / DICYT - Em meio a elogios e críticas, nasce uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o Brasil. O documento, ainda provisório e sujeito a novas modificações, definirá o conteúdo mínimo que deve ser ensinado em cada etapa da vida escolar do estudante, desde a educação infantil até o ensino médio. Prevista na Constituição, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e no Plano Nacional de Educação (PNE), a BNCC deve padronizar 60% dos conteúdos das áreas de linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas – os outros 40% serão determinados pelas próprias redes de ensino e escolas a fim de contemplar particularidades regionais.

 

Segundo o Ministério da Educação (MEC), coordenador do projeto, o objetivo é garantir que todos os jovens brasileiros tenham os mesmos direitos de aprendizagem e desenvolvimento, reduzindo desigualdades educacionais no país. A proposta deve impactar também a formulação de materiais didáticos, os mecanismos de avaliação existentes, como a Prova Brasil, além da própria formação dos professores nos cursos de licenciatura.

 

Base Nacional Comum Curricular

 

O que mudou na segunda versão?

 

Para Luís Carlos de Menezes, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo e assessor do projeto na área de ciências da natureza, houve progresso da primeira para a segunda versão. A apresentação por etapas de escolarização e não apenas por áreas do conhecimento é apontada como um dos ganhos, uma vez que facilita a leitura do documento e permite estabelecer relações entre as diferentes disciplinas que compõem uma mesma etapa. No entanto, alguns desafios ainda devem ser vencidos. “O texto tem problemas relativos à progressão, ou seja, a retomada consequente de temáticas ao longo de todo o percurso, e também continua heterogêneo. A expressão ‘eixo’, por exemplo, é utilizada com, pelo menos, quatro sentidos bem diferentes. Falta muito para se produzir um texto coerente”, salienta.

 

Santos e Ferreira fazem parte da equipe de leitores críticos que enviaram parecer público sobre a versão preliminar da Base Curricular. Eles também consideram que a segunda versão teve avanços no ensino de Ciências. “A primeira não contemplava conteúdos importantes para a área, além de supervalorizar aspectos ambientais, com prejuízo em relação às abordagens voltadas à compreensão da natureza da ciência e da diferenciação entre ciência básica e ciência aplicada”, diz Ferreira. “Não há rupturas muito bruscas na forma de orientação para os diferentes níveis de ensino, o que era visível na primeira versão”, conclui Santos.

 

No entanto, os esforços para aperfeiçoar a educação do país não devem se limitar às correções do documento. A articulação entre conteúdos de diferentes disciplinas, apontada como uma das grandes falhas da versão preliminar, não se resolverá, para Ferreira, apenas com a reformulação do texto. “Esta somente ocorrerá por meio de políticas públicas voltadas à formação inicial e continuada de professores. A articulação resulta do preparo do professor e não de documentos oficiais e, neste sentido, ainda temos muito que avançar”, ressalta. Santos concorda que cabe aos professores promover uma articulação efetiva entre as áreas em sua prática pedagógica. “A não fixação de anos e etapas para o desenvolvimento das unidades curriculares deixa margem para o estabelecimento de parcerias e ajustes que permitam um tratamento interdisciplinar dos conteúdos”.


Currículo na berlinda

 

Se, por um lado, é importante garantir conteúdos mínimos a serem ensinados em todo o país a fim de reduzir desigualdades educacionais, por outro, não se pode acreditar em soluções mágicas na educação. Enquanto alguns debatem quais são os conteúdos que os estudantes têm direito de aprender em cada uma das áreas de conhecimento, há quem questione se são os alunos os verdadeiros beneficiados com a proposta.

 

Luiz Carlos de Freitas, professor da Faculdade de Educação na Universidade Estadual de Campinas, é um dos críticos da BNCC. Para ele, é preciso observar que o esforço de se construir uma base curricular nacional conta o apoio ativo do Movimento pela Base Nacional Comum, grupo que reúne representantes de fundações de empresas e bancos privados, entre eles a Fundação Lemann e a Fundação Roberto Marinho. “O que está por trás de tudo isso é mercado, guiado pela ideia da privatização da educação. Com uma base nacional comum obrigatória em nível nacional, está criada a base mercadológica para a atuação de consultorias, empresas de avaliação, assessoria e produtoras de material didático e midiático em grande escala nacional”, alerta em seu blog.

 

Segundo o especialista, os “reformadores brasileiros” da educação se inspiram no modelo de currículo dos Estados Unidos, os Common Core State Standards (CCSS), lançado em 2010, que definem padrões apenas nas áreas de linguagem e matemática e premiam com repasse de recursos os estados que os adotam. Lá, o movimento pela reforma curricular, que ganhou força nos anos 1980, foi aos poucos se transformando no movimento pela responsabilização das escolas e dos professores pelo desempenho dos alunos. O direito de aprendizagem dos estudantes, que estaria por trás dos padrões curriculares, acabou se tornando o dever de fazer boas pontuações nas avaliações de desempenho. Como resultado, a carga curricular de disciplinas que não são avaliadas nos testes dos CCSS, como ciências e artes, foi cada vez mais reduzida. Assim, as empresas privadas de testagem e de tutoria foram os atores que mais ganharam com as reformas educacionais norte-americanas.

 

Futuro incerto

 

Os próximos passos da BNCC ainda são incertos. “Uma terceira versão pode ser conduzida por entidades como a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), pode ser retrabalhada sob o comando do Conselho Nacional de Educação (CNE) e nem se exclui que possa ter o envolvimento do próprio MEC, mas até agora tudo é hipótese”, explica Menezes. Diferente da versão preliminar, aberta à consulta pública, o plano inicial é que o texto da segunda versão conte com consultas a entidades e não mais a indivíduos. Segundo o assessor, “também em princípio, a última palavra será do CNE, que ainda não tem um prazo para homologar a versão final”, apesar do site oficial do MEC apresentar o mês de junho como a última etapa.

 

Santos, no entanto, acredita que uma nova rodada de contribuições e análises seria bem-vinda. “Considero que a elaboração da segunda versão não deve ser o encerramento do processo. Estamos organizando um currículo que vai ser utilizado por 49.771.371 alunos, de acordo com o Censo Escolar 2014, nos mais diversos contextos socioculturais e distantes localidades. Enfim, me parece que o debate ainda não está esgotado”, pondera.

 

A finalização do documento dará partida às próximas fases para a implantação da Base Curricular nas redes de ensino, entre elas a adequação do material didático, dos processos de avaliação e dos cursos de formação inicial e continuada de professores, o que deve estender o projeto em alguns anos. Mas cumprir o cronograma da proposta não é o maior desafio para que o Brasil tenha um currículo nacional. Para Santos, a utilização do novo documento não vai ocorrer de forma espontânea pelo professor. “As condições gerais de trabalho e salários dos professores, principalmente das escolas públicas estaduais, que são aviltantes, tendem a ser um fator determinante na desmobilização desse profissional para mudanças e adoção de orientações curriculares que ele não está acostumado a utilizar e que, na maioria dos casos, também não está preparado para usar”. Juliana Terra, professora de química e física de uma escola estadual de São Paulo, concorda que há outros fatores que podem afetar a utilização da BNCC em sala de aula. “Por mais que se tenha uma espinha dorsal condutora dos saberes que devem ser trabalhados para cada ano ou série, ao levarmos em consideração de maneira significativa as realidades e especificidades de cada escola e de seus alunos, constatamos necessidades e tempos de aprendizagem diferenciados, o que nos limita a seguir as sugestões das BNCC”. Tanto para a professora, quanto para Santos, uma reforma efetiva na educação envolve não apenas escrever uma base curricular comum, mas também refletir e agir quanto à formação e as condições de trabalho dos docentes.

 

Ensino de Ciências além dos conceitos

Integrar objetivos e direitos de aprendizagem pode proporcionar aos estudantes um ensino que contemple sua formação humana. Um professor de física pode, por exemplo, abordar aspectos culturais, incluindo instrumentos musicais em suas aulas de acústica, como sugere a BNCC.


Direitos de aprendizagem

Exemplo de direito estético de aprendizagem.

Direito à participação em práticas e fruições de bens culturais diversificados, valorizando-os e reconhecendo-se como parte da cultura universal e local.


Objetivos de aprendizagem

Exemplo de objetivos de aprendizagem para o ensino de ciências da natureza.

 

Ensino médio (física): Descrever e explicar fenômenos acústicos, como eco, ressonância, efeito Doppler ou operação e características de instrumentos musicais, a partir de propriedades ondulatórias do som como amplitude, frequência e fase.