Technology Spain , Salamanca, Monday, July 09 of 2012, 13:56

“Higgs não salvará vidas, mas todo conhecimento é uma contribuição contínua às tecnologias”

Francisco Fernández, catedrático da Universidade de Salamanca, explica a importância da descoberta de uma nova partícula com alta probabilidade de ser o Bóson de Higgs

José Pichel Andrés/DICYT Foi uma das notícias do dia e não apenas dentro da Ciência. A descoberta de uma nova partícula com grande probabilidade de ser o Bóson de Higgs ocupou tempo e espaço nos meios de comunicação e foi o tema mais comentado no Twitter durante horas. O motivo é que o trabalho do Laboratório Europeu de Física de Partículas (CERN) apresentou no dia 4 de julho está muito próximo de uma descoberta que comprovaria de forma experimental as teorias que baseiam a Física atual. Na Universidade de Salamanca, o catedrático Francisco Fernández é um dos maiores especialistas nesta matéria e em uma entrevista concedida a DiCYT avaliou este grande avanço.

 

“É um impulso para a Física porque ratifica o Modelo Padrão das partículas elementares, representando a descoberta experimental de uma partícula que já estava prevista na teoria da Física”, explicou Francisco Fernández. Nesse sentido, certamente Peter Higgs, o autor que anunciou a teoria há décadas, “seja a pessoa mais feliz”.

 

Porque é tão importante a descoberta apresentada pelos cientistas do CERN? A existência do Bóson de Higgs é um elemento essencial para entender as partículas subatômicas das quais está composta a matéria. Os átomos que a integram podem ser divididos entre o núcleo, formado por prótons e neutrons, e os elétrons, que orbitam ao seu redor. Prótons e neutrons podem ser divididos em partículas menores, chamadas quarks, enquanto os elétrons, até onde se sabe, são indivisíveis. No entanto, considerando que os quarks e os elétrons compartilham esta categoria de partículas elementares, os cientistas não sabem explicar porque têm massas diferentes, sendo os elétrons muito mais leves.

 

Para explicá-lo, em 1964 Peter Higgs propôs que toda matéria deveria estar rodeada por um campo com o qual interage. Como os elétrons interagiriam muito pouco com esse campo, teriam uma massa muito pequena, enquanto os quarks interagiriam de uma forma muito forte e, portanto, teriam uma massa maior. Uma analogia utilizada por alguns cientistas e divulgadores é que dentro da água os peixes mais pesados nadam de forma mais lenta, e os menores o fazem de forma mais rápida.

 

Comprovar esta teoria foi uma das missões do Grande Colisor de Hádrons (LHC, em inglês) do CERN, localizado próximo a Genebra, na Suiça. Esta grande infra-estrutura científica subterrânea mede 27 quilômetros em forma de círculo, e permite realizar duas ações fundamentais para encontrar novas partículas: criar uma grande energia e detectar as marcas da existência de novas partículas.

 

Ainda que “no ano passado tivessem sido detectados sinais da existência de uma nova partícula, havia poucas estatísticas ao respeito”, indica o pesquisador da Universidade de Salamanca. No entanto, após muitos experimentos realizados, na apresentação do dia 4 de julho já se estimava um nível de confiança estatística de 5 sigma (superior a 99,99994%). Assim, Francisco Fernández considera que o mais provável é que logo presenciemos um novo anúncio sobre a descoberta do Bóson de Higgs com 100% de certeza. De todos modos, os pesquisadores ainda têm que anunciar sua massa, sua carga e sua forma de desintegrar-se, afirma.

 

Endossar outros modelos

 

Contudo, o sucesso do CERN não significa que a Física de partículas ou o trabalho no LHC pare, muito pelo contrário. Quando se confirme que se trata do Bóson de Higgs, com toda a informação necessária, “a partícula pode endossar outras teorias e modelos, como a supersimetria”. Esta teoria assegura que existem dois tipos de partículas, os bósons e os férmions (dentre os quais estariam os quarks e os leptóns, englobando estes últimos os elétrons, dentre outros) e que cada uma das partículas acompanha outra do tipo, isso é, que um bóson sempre acompanha um fermión. No entanto, a existência do Bóson de Higgs também “fechará as portas a outras linhas de pesquisa, porque na Física existem muitas teorias”, comenta o especialista.

 

Em termos mais gerais, conhecer melhor a Física de partículas ajudará também a desvendar os mistérios da chamada matéria escura, que representa a maior parte do Universo, mas da qual se sabe quase nada. A descoberta apresenta no dia 4 de julho não tem uma relação direta com este assunto, mas o LHC, através da descoberta de novas partículas, pode ajudar no progresso deste conhecimento.

 

Contribuição espanhola

 

Francisco Fernández valoriza também a contribuição espanhola a este grande passo da Ciência através da contribuição ao CERN. “Neste tipo de experimentos coletivos o que encontramos são pessoas integradas em grandes equipes e não é possível dizer que a contribuição espanhola tenha sido decisiva, mas sim significativa”, comenta. Um dos aspectos mais importantes é que os dois detectores dos experimento, o CMS e o ATLAS, que encontraram os restos da nova partícula, têm uma parte construída no Centro de Investigações Energéticas Ambientais e Tecnológicas (CIEMAT), do Ministério de Economia e Competitividade.

 

No caso de Salamanca, “nosso grupo trabalha em Física de partículas, mas não está diretamente relacionado com esta descoberta”, indica Francisco Fernández. Contudo, nestes campos da Ciência tudo está interconectado, de modo que possivelmente no futuro o Bóson de Higgs influirá nas linhas de pesquisa de sua equipe, conforme explicou.

 

Próxima versão da internet poderia sair do CERN

 

Se todos estes conceitos da Física teórica alcançarem um terreno prático, o especialista reconhece que as aplicações da descoberta estão longe de ser imediatas. “Descobrir esta partícula não servirá para salvar vidas, mas representa parte da contribuição contínua de conhecimento para as tecnologias”, afirma. Neste sentido, “sempre cito o exemplo da Fórmula 1, porque grande parte dos progressos que hoje incorporam os carros de passeio foram provados há muito tempo nas corridas”.

 

Em consonância com as distantes aplicações práticas da pesquisa e considerando que é necessário um grande orçamento em um contexto de crise econômica, Francisco Fernández considera que sempre é possível pensar em otimizar os recursos, mas não que a Ciência pode parar. Assim, afirma que a “internet foi concebida no CERN porque os cientistas precisavam comunicar-se” e opina que “provavelmente a próxima versão da internet também sairá das necessidades do CERN”.