“Um mundo de ferro e enxofre como Marte talvez tenha vida no subsolo”
Elene Rodríguez Montes/DICYT Existe vida extraterrestre? A detecção de vida fora do nosso planeta é um dos objetos de trabalho de Carlos Briones Llorente, cientista titular do CSIC e que atualmente se encontra no Centro de Astrobiologia CSIC-INTA, associado à NASA. Hoje voltou a sua terra como convidado do salão Caja de Burgos de estudos científicos para participar da jornada “Proteção planetária: um objetivo tecnológico na busca de vida extraterrestre”, realizada na Escola Politécnica Superior da Universidade de Burgos.
Pergunta: Esclarecendo conceitos. O que é a proteção planetária?
Resposta: Na verdade esta expressão soa bastante exótica, à ficção científica, mas, no entanto, não tem nada a ver. Trata-se de um conjunto de técnicas a serem aplicadas em missões e do projeto de robôs enviados a localizar vida fora da Terra. O que não pode acontecer é encontrarmos vida em Marte, por exemplo, e que esta vida seja terrícola, ou seja, que tivesse sido levada pelas patas de nossos robôs.
P: E como isso é possível?
R: A proteção planetária consiste em evitar a contaminação cruzada entre distintos corpos do Sistema Solar: que não se leve vida da Terra a Marte sem intenção, e que as mostras vivas trazidas de Marte a Terra não contaminem a vida terrestre. Resumidamente: é a forma de preservar intacta a vida existente em distintos lugares do cosmos.
P: Existe vida extraterrestre em Marte?
R: Hoje podemos afirmar que estamos sozinhos no universo, no sentido de que ainda não se encontrou nenhum sinal inequívoco de vida fora da Terra. O único exemplo de vida que conhecemos é a da Terra e, por isso, o âmbito de proteção planetária somente implica na esterilização das naves que saem de nosso planeta. Se encontrarmos vida fora da Terra, deveremos levar em consideração o caso oposto.
P: Por que Marte? Quais características deste planeta levam a esta pesquisa?
R: É o nosso planeta irmão no Sistema Solar, está dentro do que chamamos banda de habitabilidade, da qual Venus também faz parte, e é um dos melhores candidatos para a existência de um segundo exemplo de vida fora da Terra. Falamos de um dos alvos fundamentais da Astrobiologia, desta nova ciência que pretende entender como começou a vida terrestre. Mas não é o único lugar interessante para se buscar vida fora da Terra.
P: Quais seriam?
R: Existem hoje o satélite Europa, o satélite de Júpiter e o satélite Titan, de Saturno, mas o planeta Marte atualmente é nosso principal objeto de estudo. Desde 1975 dezenas de naves pousaram em Marte, analisaram sua superfície e demonstraram que, sem dúvidas, houve muita água no passado e, pelo que sabemos, a existência de fontes de energia pode indicar vida. Talvez essa vida esteja protegida no subsolo porque a superfície é muito hostil por não possuir uma atmosfera, como a nossa, que a proteja da radiação.
P: Esse é, portanto, o objetivo das novas missões: o subsolo?
R: Sim, estas já estão acontecendo e, algumas delas, com a colaboração do nosso centro de Astrobiologia. Essas missões levam integrados elementos perfuradores que farão um pequeno orifício na superfície de Marte para tentar descobrir se existe vida abaixo, no máximo a um metro de profundidade. Seriam organismos que resistiram desde o momento em que começou a vida em Marte, até agora.
P: Resumidamente, porque a superfície já foi explorada e se obtiveram resultados positivos, passou-se ao subsolo?
R: Poderíamos dizer que sim, de maneira muito simplificada. Foram exploradas algumas parte da superfície e os robôs patrulheiros nos deram mostras da geologia dos terrenos e demonstraram a presença de água: congelada na superfície e talvez liquida em algumas condições favoráveis do verão marciano, em latitudes oportunas. Mas a sub-superfície é a grande desconhecida. O estudo dos ambientes que aqui na Terra se consideram similares aos do planeta vermelho, como a região de Riotinto (Huelva), revelaram a existência de aglomerações de bactérias, inclusive a vários metros de profundidade.
P: O que quer dizer com isso?
R: Que em um mundo de ferro e enxofre como Marte, que talvez se pareça a Riotinto, pode existir vida no subsolo, onde é mais provável que esteja preservada porque a superfície tem condições esterilizantes pela radiação solar que a atinge sem nenhum tipo de proteção, mantendo a temperatura média em 70 graus abaixo de zero.
P: Essas seriam condições desagradáveis para qualquer tipo de vida?
R: Para a vida fácil que levam os animais e as plantas, sim, bem como para a vida de microorganismos extremófilos muito interessantes pela sua adaptabilidade a condições extremas. Especialmente, a grande quantidade de radiação que atinge a superfície de Marte é considerada letal para qualquer forma de vida, mas talvez dois centímetros abaixo existam microhabitats proveitosos para estas formas de vida.
P: Ao falar em vida, refere-se a um conceito muito genérico, não é?
R: Sim, é lógico. Não devemos imaginar nada parecido à vida que vemos em nosso entorno. Nada de homenzinhos verdes e com duas antenas, como os marcianos dos filmes de ficção científica; quase humanos, mas um pouco distintos e mais feios que nós (risos), que são formas bastante absurdas do ponto de vista cientifico. Quando pensamos em algum tipo de vida em Marte, ou na Europa, ou em algum planeta extra-solar, devemos imaginar algo parecido a uma bactéria, a microorganismos e, definitivamente, a formas de vida que foram as protagonistas do nosso planeta durante a metade de sua história. Os organismos pluricelulares, como nós, são uma invenção tardia da evolução. Se aqui tivesse pousado uma nave extraterrestre há dois milhões de anos atrás, somente encontraria microorganismos.
P: Como explicaria isso em termos científicos?
R: Considerando-se que a matéria carrega a vida, isso é, que existe algo intrínseco à matéria que lhe permite passar da química à biologia, provavelmente as formas de vida encontradas serão semelhantes as mais primitivas que possuímos na Terra: sistemas moleculares capazes de se auto-copiar ou bactérias muito simples. Nisso pensamos quando desenvolvemos biossensores para buscar vida fora da Terra.
P: É difícil eliminar a imagem criada pela ficção científica sobre o espaço e a vida extraterrestre?
R: Por um lado ajuda, porque aumenta o interesse popular por essas questões, mas por outro, introduz tendências consideráveis. Primeiro, tudo parece muito fácil: desde desenvolver uma nave ou um projeto espacial até levar humanos ao espaço. Existem muitos filmes em que o homem chega a Marte quando sabemos que até 20 ou 30 anos será impossível enviar ali uma nave tripulada. Segundo, a vida extraterrestre mostrada pela ficção científica é muito cômica, como os marcianos com antenas. Isto, em parte, deve-se a nossos preconceitos antropocêntricos e a maneira como vemos à vida ao nosso redor na Terra, pois nos atentamos apenas, ao menos assim era até o século XIX, aos animais e às plantas, que representam uma minoria diante dos 80% de microorganismos que povoam o planeta. Os roteiristas de Hollywood não são uma exceção e pensam em homenzinhos simpáticos, verdes, com duas antenas e geralmente mal-intencionados. São preconceitos muito cômicos que não incomodam, mas que devem ser separados claramente do que é a ciência.
P: Seria uma tarefa difícil, já que essas idéias fazem parte do imaginário coletivo, não?
R: Sim. Eu gosto muito de ficção científica, tanto no cinema como na literatura. Parece-me um gênero que, em algumas ocasiões, está muito bem documentado. Existe uma trilogia que recomendo a leitores: Marte azul, Marte vermelho e Marte verde. É um romance sobre os primeiros cem povoadores terrícolas em Marte (no qual o autor recebeu assessoria da NASA) que descreve excepcionalmente a geologia do planeta vermelho. Tive oportunidade de conhecer seu autor, Stanley Robinson, nos Estados Unidos, e é uma pessoas com uma formação científica tremenda. Ler algo assim estimula o que a ciência pode demonstrar e abre a imaginação a um mundo de possibilidades a que os escritores se podem permitir. Claro, a ciência passa por pequenos avanços e muito trabalho para conseguir uma evidencia indireta de algo. Sempre que se saiba distinguir bem o que é a ciência e o que é a ficção, a convivência será boa.
P: Quer dizer que com você poder-se-ia ver Guerra nas Estrelas tranquilamente?
R: Em Madri organizei um fórum de cinema científico e cinema de ficção científica no qual explicamos o que é possível e o que não é, e é uma atividade muito formativa para estudantes de nível médio. Nestes filmes violam-se constantemente os princípios da Física e da Química. A Guerra nas Estrelas é uma das séries de ficção que mais me interessa e que vejo com freqüência, mas ocorrem coisas impossíveis. As explosões no espaço quando duas naves se chocam primeiro produzem um ruído e, depois, voam pedaços pelo ar: não poderia haver chamas se não existe oxigênio e no espaço o que existe é vácuo e, por outro lado, não se poderiam ouvir as explosões, porque no vácuo o som não se propaga.
P: Antes de terminar, conte-me mais acerca da Missão ExoMars, na que vocês participam.
R: É uma missão da Agencia Espacial Européia e da NASA que chegará a Marte em 2016 e 2018. Seu objetivo é aprofundar mais os estudos da geologia de Marte e dar mais pistas sobre as características da água ali. A missão leva um instrumento denominado RLS (Raman Laser Spectroscopy) desenvolvido no centro de Astrobiologia, em colaboração com a Universidade de Valladolid e com outros centros e empresas espanholas e européias. Será um instrumento espanhol, o que supõe um feito na pesquisa espacial. Já em uma missão que chegará a Marte em 2012, existe uma estação meteorológica espanhola desenvolvida em nosso centro, portanto, tecnologia espanhola em Marte. Tudo isso nos ajuda a deixar um pouco o complexo de espanhoizinhos pobres do ponto de vista cientifico, que somos, porque o que se dedica à ciência e tecnologia na Espanha é claramente insuficiente, mas somos capazes de conseguir missões em competição com os instrumentos apresentados por outros países. Dos seis ou oito instrumentos que costumam ir a estas missões, haverá tecnologia espanhola, e isso acredito que seja muito bom para os cientistas e tecnólogos que delas participam e para o conjunto de nossa sociedade.