“Espanha e Portugal deveriam estabelecer uma estreita colaboração na pesquisa”
José Pichel Andrés/DICYT Alberto Orfao de Matos Correia e Vale nasceu em Lisboa, em 1960, mas desenvolveu boa parte de sua carreira científica em Salamanca. Na próxima segunda-feira, 22 de abril, receberá o Prêmio Castela e Leão de Pesquisa Científica e Técnica, o máximo reconhecimento que esta comunidade autônoma outorga a seus pesquisadores. Catedrático do Departamento de Medicina da Universidade de Salamanca, cientista do Centro de Investigação do Câncer, diretor científico do Banco Nacional de DNA e diretor dos serviços de Citometria e Separação Celular da Plataforma de Apoio à Pesquisa NUCLEUS, a trajetória de Alberto Orfao está marcada por centenas de artigos científico, patentes e novas empresas no campo da pesquisa do câncer, particularmente de leucemias e linfomas. Em um entrevista concedida à DiCYT, reflete sobre todos estes aspectos.
Pergunta: Dentro da satisfação que representa receber um prêmio, o que você destacaria neste reconhecimento?
Resposta: Acredito que o prêmio reconhece fundamentalmente três aspectos diferentes: o esforço, o trabalho de um grupo inteiro e os resultados deste trabalho, que depois de 25 anos felizmente são muitos e importantes.
P: Um dos aspectos mais relevantes de sua trajetória é ter conseguido várias patentes e contribuído com a criação de empresas. A transferência do conhecimento entre universidades e empresas está ocorrendo ou o seu caso é excepcional?
R: Acredito sinceramente que o registro de patentes e seu interesse comercial são absolutamente normais na pesquisa. Normalmente o pesquisador em seu trabalho diário encontra problemas que não têm solução; a atitude normal do pesquisador é enfrentar os problemas e resolvê-los. As vezes a solução encontrada tem, ademais, interesse comercial. Além disso, entendo que o pesquisador que utiliza fundos públicos deve garantir que exista um retorno à pesquisa do possível benefício comercial. Assim, tem a opção de proteger transitoriamente a solução inovadora desenvolvida e, sobretudo, fazer com que esteja rapidamente disponível para outros grupos em tempo e custos razoáveis, através de sua comercialização. O mais importante não é registrar 30 patentes, mas que a grande maioria seja também licenciada, explorada e tenha produtos de sucesso no mercado.
P: Você tem centenas de artigos científicos. A sociedade sabe aproveitar este potencial?
R: É verdade que sou autor e co-autor atualmente de 500 artigos em revistas internacionais indexadas, juntamente a muitos outros pesquisadores não apenas do grupo de pesquisa, mas de todos os grupos com os quais colaboramos. A mesma coisa acontece com as patentes, cada artigo científico representa normalmente uma contribuição ao conhecimento. Os pesquisadores podem utilizar esse conhecimento em seu trabalho, o que se reflete em resenhas bibliográficas (calculo que nossos trabalhos recebem dentre três a quatro referências por dia ao longo do ano). Algumas das publicações científicas representam também uma mudança na prática médica: a descrição de uma doença nova ou da variante de uma doença conhecida que requer, por exemplo, um tratamento diferente, a adoção de novos critérios diagnósticos, novas estratégias para avaliar ou definir o tratamento de uma doença, ou simplesmente melhorar o conhecimento da própria biologia.
P: Qual é a utilidade de serviços como os de Citometria e Separação Celular da NUCLEUS, da qual você é diretor?
R: Os serviços de apoio à pesquisa devem representar uma ferramenta para facilitar o acesso dos pesquisadores a tecnologias caras ou complexas de forma livre, ainda que esteja, logicamente, controlada. Ademais, estes serviços devem manter uma atividade de pesquisa no âmbito tecnológico que os torne únicos. Em outras palavras, além de dar o serviço já pré-definido, devem contribuir a prestar serviço com sua pesquisa para situações novas que possam se beneficiar da tecnologia disponível no serviço. Ambos serviços atendem atualmente a cerca de 200 grupos ou centros diferentes.
P: Como você vê o futuro da pesquisa do câncer nos próximos anos e, especialmente, dos linfomas ou leucemias, sua especialidade?
R: O futuro é promissor. Nos últimos anos assistimos grandes desenvolvimentos tecnológicos e um importante avanço no conhecimento, junto à concepção e desenvolvimento de um amplo leque de novas estratégias terapêuticas. Tenho certeza de que tudo isso potencializará ainda mais os progressos do futuro, sempre que sejamos capazes de manter e aumentar o esforço e apoio à pesquisa.
P: Que importância têm os biobancos como o Banco Nacional de DNA na luta contra estas e outras doenças?
R: Os biobancos permitem acelerar notavelmente os tempos de pesquisa. Ademais, podem contribuir para aumentar a qualidade dos resultados desta pesquisa e otimizar o uso de recursos.
P: O Centro de Caracterização de Recursos Biológicos era um de seus grandes projetos. Este continua apesar da situação econômica? Em que fase está?
R: É um projeto que sofreu um atraso em seu desenvolvimento, e talvez também uma re-orientação. No entanto, continua plenamente vigente e avançando de forma importante. Tenho certeza de que será novamente reconhecido como um dos projetos estratégicos em âmbito regional e nacional.
P: Que objetivos estabelece seu grupo de pesquisa e suas colaborações para o futuro imediato?
R: Como grupo, nossos objetivos estão sempre bem definidos: alcançar as metas e resultados concebidos nos projetos de pesquisa que estão em desenvolvimento ou que serão desenvolvidos neste ano.
P: Você tem meia centena de pesquisadores, muitos deles jovens. Castela e Leão continua sendo um bom lugar para dedicar-se à pesquisa biomédica apesar da crise?
R: Claro, ainda que sem dúvida pode melhorar sempre que sejamos capazes de fazer atrativa a pesquisa feita em Castela e Leão com seus resultados, com infraestruturas e com postos de trabalho.
P: Como vê a situação da Ciência em Portugal, seu país de origem?
R: Bastante difícil. Apesar de existirem recursos humanos altamente capacitados, carecem de um financiamento adequado para realizar ou iniciar novos projetos de pesquisa. Isto não quer dizer que não existam grupos e centros de excelência muito ativos internacionalmente. Como ocorre na Espanha, também em Portugal houve um êxodo importante de pesquisadores jovens e brilhantes.
P: A Espanha e Portugal poderiam apostar mais na pesquisa como base para o crescimento econômico?
R: Efetivamente. Um plano estratégico, ambicioso, mas realista. Além disso, deveriam estabelecer uma colaboração estreita nesse âmbito, com infraestruturas comuns ou posições estratégicas conjuntas dentro da União Européia, por exemplo. Esta colaboração deveria ser mais ativa, pela proximidade geográfica, com comunidades autônomas como Castela e Leão.