Salud Portugal , Aveiro, Viernes, 03 de julio de 2020 a las 11:26

Olfato pode ter um papel relevante no Autismo

Publicado este mês na revista 'Neuroscience & Biobehavioral Reviews', o trabalho ressalva o potencial do olfato enquanto facilitador e porta de entrada privilegiada para informação socioemocional na população com PEA

UA/DICYT Pode o olfato ajudar no desenvolvimento socioemocional de quem tem Perturbação do Espetro do Autismo (PEA)? As psicólogas Filipa Barros e Sandra Soares, investigadoras da Universidade de Aveiro (UA), garantem que sim, que o olfato poderá ter um papel relevante na resposta à complexidade da interação social para as pessoas com PEA e respetivas famílias.

 

Publicado este mês na revista Neuroscience & Biobehavioral Reviews, o trabalho ressalva o potencial do olfato enquanto facilitador e porta de entrada privilegiada para informação socioemocional na população com PEA.

 

Para a construção dos argumentos, em primeiro lugar, a dupla de investigadoras do Centro de Investigação em Serviços e Tecnologias da Saúde (CINTESIS) e do William James Center for Research (WJCR) da UA, apresentou literatura subjacente à cognição social nas PEA, isto é, a forma como as pessoas percecionam e dão significado ao mundo social. “Alterações neste domínio parecem estar presentes desde muito cedo no desenvolvimento e persistem até à idade adulta, podendo estar intimamente relacionadas com dificuldades mais amplas ao nível das capacidades sociais”, aponta Filipa Barros.

 

No entanto, explicam, a maioria dos estudos sobre processamento socioemocional nas PEA foca-se numa perspetiva unisensorial, englobando apenas estímulos visuais, como é o caso das emoções expressas na face. No entanto, adverte Filipa Barros, “o ambiente social é multissensorial por natureza, dado que recebemos informação sobre o que nos rodeia através dos vários sistemas sensoriais”.

 

Nesta linha, “o sistema olfativo tem um conjunto de particularidades que o tornam único em comparação com os outros sistemas, incluindo a relação privilegiada com o processamento emocional, assim como a capacidade de influenciar a forma como nos sentimos, pensamos e comportamos de uma forma subliminal”.

 

Filipa Barros, a título de exemplo, diz que “os estímulos olfativos são capazes de induzir emoções de forma rápida, significativa e sem termos consciência disso, assim como a perceção olfativa é também influenciada pela forma como nos sentimos”.

 

O olfato, acrescentam, “tem também a capacidade de influenciar a nossa perceção visual, desempenhando ainda um papel importante na interação social, comunicando informação crucial sobre nós próprios e sobre os que nos rodeiam”. Assim, “argumentamos que o processamento olfativo, assim como a integração de informação olfativa e visual, devem ser considerados e investigados no âmbito da perceção e comportamento social, sobretudo nas PEA, já que têm o potencial de impulsionar não só o conhecimento na área, mas também o desenvolvimento de intervenções mais eficazes com esta população”.

 

O grande objetivo do trabalho agora publicado é, confessam as investigadoras, impulsionar a investigação no âmbito do processamento olfativo e integração de informação visual e olfativa nas PEA, que “acreditamos que trará não só conhecimento relevante tendo em conta as lacunas existentes na área, mas poderá ainda alimentar o desenvolvimento de intervenções mais ajustadas e equilibradas em custo-benefício”. De facto, acreditam, os estímulos olfativos poderão ser um meio eficaz de corresponder à complexidade da interação social, ajudando a diminuir dificuldades neste domínio.

 

Mais importante, aponta o estudo, estes estímulos podem ser utilizados de modo subliminal e sem requerer esforço por parte das pessoas, “o que é especialmente relevante para as PEA, onde muitas vezes existem alterações significativas ao nível do comportamento, linguagem verbal e funcionamento cognitivo”.

 

Uma aplicação específica da estimulação olfativa poderá ser, por exemplo, no emparelhamento sucessivo de estímulos olfativos de cariz emocional com expressões emocionais faciais, de modo a compreender se as pistas olfativas facilitam o reconhecimento de emoções expressas na face.

 

Outra aplicação interessante apresentada neste trabalho prende-se com o comportamento alimentar. As dificuldades neste domínio são muito frequentemente observadas nas PEA. “Intervenções assentes em estimulação olfativa, especialmente englobando estímulos positivos e familiares, poderiam beneficiar o comportamento alimentar nesta população, reduzindo não só as dificuldades sentidas pelas pessoas com PEA, mas também pelas respetivas famílias”, diz Filipa Barros.