A que velocidade o vírus da COVID-19 sofre alterações?
Gulbenkian Science/DICYT O Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) e o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) são os primeiros a quantificar e a caracterizar as mutações que podem ser geradas por SARS-CoV-2 quando infecta células. Os dados experimentais são relevantes para compreender como o vírus evolui na população humana e poderão ter implicações no desenvolvimento de estratégias antivirais.
Cada vez que um vírus se multiplica no interior de uma célula infetada, algumas letras do seu código genético podem ser erroneamente substituídas, dando origem a erros (mutações). Algumas mutações alteram caraterísticas importantes do vírus, como a sua transmissibilidade e severidade, podendo dar origem a versões (estirpes) mais bem-sucedidas. Este processo de mutação e seleção de estirpes que prosperam mais facilmente no seu ambiente chama-se evolução.
Para compreender como o vírus da COVID-19 evolui e origina novas variantes, os investigadores precisam, primeiro, de desvendar como e a que taxa surgem as mutações no seu código genético quando se reproduz nas células do corpo do hospedeiro que infeta. Isto apenas foi alcançado recentemente: esforços anteriores ao do IGC e do INSA baseavam-se em estimativas de outros coronavírus e em estudos de pequena escala com pouco poder para detetar o largo espetro de mutações que podem surgir.
No estudo, publicado na revista Evolution, Medicine, and Public Health, os investigadores infetaram células isoladas de rins de macacos com duas estirpes do SARS-CoV-2: uma com a versão original da proteína spike e outra com uma versão mutada que é prevalente a nível mundial. Depois de deixarem o vírus multiplicar-se, sequenciaram-no e procuraram por novas alterações e por qualquer evidência de evolução.
A equipa confirmou que o SARS-CoV-2 tem uma capacidade notável para se adaptar a novos ambientes, particularmente através da evolução da proteína spike. O gene que codifica esta proteína acumulou cinco vezes mais alterações que outras regiões, um resultado da seleção de mutações benéficas. Genes que codificam componentes da nucleocápside, membrana e envelope do vírus também mostraram sinais de adaptação. Notavelmente, várias das mutações identificadas foram já observadas em populações naturais do vírus, particularmente nas variantes Beta, Gama e Omicron.
Apesar de extremamente relevante, “a evolução experimental do vírus constitui um desafio adicional para os investigadores. Isto porque a seleção de variantes bem-sucedidas pode modificar a forma como as mutações se acumulam” explica Massimo Amicone, investigador do IGC e coautor do estudo. Uma vez que queriam quantificar a taxa de mutação espontânea do SARS-CoV-2, os investigadores tiveram que distinguir alvos sobre seleção de alvos que não alteram o fitness do vírus.
Tendo isto em consideração, os investigadores obtiveram uma estimativa mais realística: a cada infeção, a probabilidade de qualquer letra do código genético do SARS-CoV-2 ser erroneamente substituída é de 1,3 em um milhão, menor que no vírus da gripe. “Dado que o código genético do SARS-CoV-2 é composto por aproximadamente 30.000 letras, isto significa que cada vez que o vírus é copiado, 1 em 10 terá uma nova mutação”, explica Isabel Gordo, investigadora principal do IGC e coautora do estudo. Os autores concluíram ainda que o erro mais comum foi a substituição da letra C por um T, em ambas as estirpes usadas para infetar as células. Para além de partilharem muitas das novas alterações, as taxas de mutação das estirpes foram também semelhantes, o que sugere que a sua diferença inicial não influenciou o percurso mutacional. Apesar das semelhanças, a estirpe que transportava a forma mutada da proteína spike acumulou menos mutações benéficas que a original, o que corrobora a hipótese de que as estirpes mais bem-sucedidas se adaptam mais lentamente.
Houve, no entanto, alguns vírus que acumularam um maior número de mutações quando comparados com outros. A maior velocidade a que estes vírus acumularam erros deve-se provavelmente ao dano em genes relacionados com a replicação ou a correção de erros do código genético. Esta é a primeira vez que se demonstra que é possível o SARS-CoV-2 aumentar consideravelmente a sua taxa de mutação e, mesmo assim, sobreviver. Isto poderá ter implicações para o desenvolvimento e para o sucesso de novos antivirais que desencadeiam mutações a um nível que é intolerável para o agente patogénico, especialmente se estes forem testados contra o SARS-CoV-2 no mesmo tipo de células usadas neste estudo.
Os resultados fornecem informações valiosas no que diz respeito à biologia básica do vírus e a como este consegue moldar o seu código genético para se adaptar a novos ambientes.
Este estudo foi apoiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) Projeto PTDC/BIA-EVL/31528/2017 e financiado pelo Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) e o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA).