Social Sciences Brazil Campinas, São Paulo, Thursday, September 26 of 2013, 11:15

A visão de ciências de Carl Sagan

O autor defendia a ação do papel autocorretivo da ciência que depuraria as ideias incapazes de explicar adequadamente os fenômenos naturais

Roberto Takata/Labjor/DICYT - No mesmo ano em que um astronauta americano dava um pequeno passo para o homem e um gigantesco salto para a humanidade, simbolizando um dos marcos da era da tecnociência, um anônimo trintenário escrevia um relato – publicado dois anos mais tarde – sobre os efeitos do uso da maconha em sua produção científica. Incidentalmente o autor, denominado “Mr. X”, considerou positiva a influência – adiantando muito do debate que seria travado 30 anos mais tarde sobre os benefícios da Cannabis sativa. Três anos após sua morte, a identidade do polêmico ensaísta foi revelada em uma importante biografia: Carl Sagan: a Life (Keay Davidson, 1999, John Willey & Sons., 512 pp.).

 

Esse episódio é muito revelador do caráter do astrônomo e divulgador da ciência americano. “Embora necessariamente filtrada por uma rigorosa crítica e pelo exame empírico, seu ponto de partida é a elaboração das mais ousadas, imaginativas e 'loucas' hipóteses”, diz Danilo Nogueira Albergaria Pereira, historiador pela Unimep e mestre em divulgação científica e cultural pelo Labjor-Unicamp.

 

No dia 25 de agosto, durante a palestra “A visão de ciência propagada por Carl Sagan”, baseada em sua pesquisa de mestrado, Pereira procurou trazer aos alunos do curso de especialização em Jornalismo Científico, do Labjor, a filosofia do apresentador da aclamada série de TV Cosmos sobre a natureza do processo científico que pode ser entrevista em sua vasta obra de divulgação científica.

 

Pereira desconstrói a imagem de Sagan como um materialista, ateu, antirreligioso. Sim, ele era materialista, talvez ateu – mais provavelmente agnóstico –, mas não antirreligioso. Para o historiador, Sagan tinha, na verdade, uma visão de ciência bastante religiosa: “Sagan dizia que nós [formas de vida inteligente evoluídas da matéria gerada no interior das estrelas] somos a forma que o Universo encontrou para entender a si mesmo. Essa é uma visão metafísica, não exatamente racional que se esperaria de um cientista que fosse um defensor apaixonado da racionalidade científica”.

 

Essa visão que se tem do cientista como um ateu militante seria derivada de uma leitura equivocada de uma de suas obras mais conhecidas, o livro O mundo assombrado pelos demônios. É verdade que nele o astrônomo combate a irracionalidade e uma série de sistemas de crenças não-científicas: a Nova Era, parapsicologia, óvnis, etc. – e isso, explica Pereira, gerou uma resistência entre religiosos e mesmo em setores acadêmicos anticientíficos. O equívoco também teria sido reforçado pela apropriação da obra por grupos denominados céticos, adotando-a como uma espécie de bíblia.

 

O historiador observa o caráter matizado da concepção de ciência e de seu papel na sociedade conforme apresentado por Sagan: “Isso que é legal você analisar a fundo um personagem como esse. Você percebe que existe uma série de tensões no próprio pensamento dele, que não é uma coisa quadradinha, preto no branco.”

 

A obra de divulgação do cientista é também uma expressão de um projeto político. Para Sagan, afirma Pereira, a difusão do conhecimento científico é uma questão de sobrevivência da própria democracia: “Se o público não está munido de uma capacidade de refletir criticamente, e pra isso a ciência seria uma ferramenta que municiaria o público dessa capacidade crítica de separar o joio do trigo em linhas gerais, a democracia em si não funciona”. Questões como transgênicos e aquecimento global são exemplos evocados por Pereira de temas prementes que exigem a participação popular e demandam um certo grau de familiares com conceitos científicos.

 

Ainda que reconhecesse a forte influência de fatores como jogos de poder e preconcepções no processo científico, Sagan defendia a ação do papel autocorretivo da ciência que depuraria as ideias incapazes de explicar adequadamente os fenômenos naturais. Hipóteses, por mais malucas que pareçam à primeira vista, devem ser examinadas criteriosa e criticamente antes de serem aceitas ou rejeitadas. Exemplo dessa visão ocorreu no debate público entre o astronômo e o psiquiatra russo Immanuel Velikovsky sobre a origem do planeta Vênus. Velikovsky, interpretando uma série de mitos de diversas origens, apregoava que Vênus teria sido ejetado da atmosfera de Júpiter até sua órbita atual. A academia não apenas rejeitava terminantemente tal hipótese como pretendia censurá-la, impedindo sua publicidade. Sagan discutia os erros publicamente acreditando que o simples exame de evidências e contraevidências seria o suficiente para escanteá-las. "Pior do que alguém dizer um monte de besteiras é a comunidade científica tentar suprimir a liberdade de expressão", resume Pereira.

 

A disposição para o debate, a abertura da mente para aceitar o novo e submetê-lo ao exame crítico é a imagem que emerge do trabalho de Danilo Pereira a respeito de Carl Sagan. Isso sem abandonar a paixão pelas ciência e otimismo quanto a suas possibilidades.

 

A palestra de Danilo Albergaria Pereira pode ser assistida pelo vídeo disponível em:
http://www.youtube.com/watch?v=4-RGBId4N5U#t=247.