Health Portugal , Portugal, Thursday, February 10 of 2022, 09:43

Identificados os primeiros pacientes com nova doença rara causada por erros na divisão celular

Estudo colaborativo entre médicos e investigadores desvenda mutações no gene BUB1 responsáveis por distúrbios no desenvolvimento

Gulbenkian Science/DICYT Um novo estudo publicado na Science Advances descreve os dois primeiros pacientes com mutações em ambas as cópias de BUB1, um gene crucial para a divisão celular. Contrariamente ao que se pensava, estas mutações são compatíveis com a vida, apesar de estarem associadas a problemas do desenvolvimento. A identificação e a caraterização clínica e molecular destas mutações podem vir a melhorar o diagnóstico deste distúrbio raro do neurodesenvolvimento e a compreensão de síndromes com caraterísticas semelhantes.

 

Quando as células se dividem, através de um processo designado de mitose, é essencial que a informação genética seja equitativamente distribuída pelas novas células. É neste momento que poderão surgir erros na divisão, que podem levar a danos nas moléculas de ADN que contêm a informação genética (cromossomas), ou a alterações do seu número. Estes erros estão associados a diversas patologias humanas.

 

Uma das proteínas responsáveis pela monitorização de problemas na divisão celular é codificada pelo gene BUB1. Defeitos no gene BUB1 têm sido associados a cancro, mas o papel deste gene no desenvolvimento humano é ainda pouco conhecido. A expressão reduzida de BUB1 está associada a abortos espontâneos e, dada a sua importância para uma divisão celular correta, até agora pensava-se que mutações desfavoráveis neste gene eram incompatíveis com a vida.

 

Um esforço colaborativo entre médicos e cientistas de Portugal, da Áustria, e dos Países Baixos levou à identificação dos primeiros pacientes com mutações bialélicas (em ambas as cópias) no gene BUB1. “Foi surpreendente encontrar pacientes com mutações num gene tão importante”, explica Raquel Oliveira, líder da equipa do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) que conduziu o estudo. Mesmo assim, os pacientes apresentam microcefalia (uma malformação congénita em que o cérebro é anormalmente pequeno), atrasos cognitivos e diversas caraterísticas específicas.

 

Investigadores do IGC exploraram ainda de que forma as variantes patológicas deste gene afetavam a divisão celular. “Mostrámos como é que cada mutação afetava os níveis e a função da proteína, assim como o impacto destas nas diferentes vias que controlam a mitose”, detalha Sara Carvalhal, primeira autora do estudo e antiga investigadora do IGC. Apesar de ambos os pacientes apresentarem células com alterações numéricas ou estruturais nos cromossomas, os mecanismos moleculares subjacentes a esses erros na divisão celular diferem entre eles. De acordo com Job de Lange, investigador do Cancer Center Amsterdam e cocoordenador do trabalho, “estes resultados permitem dissecar os diferentes papéis de BUB1 num contexto clínico”.

 

 

Para além de elucidar acerca das funções do gene BUB1, este estudo esclarece também “o impacto que os erros mitóticos têm no desenvolvimento do corpo humano”. Os resultados obtidos apoiam a ideia de que o cérebro em desenvolvimento é particularmente suscetível a erros na mitose. Os autores sugerem que os erros mitóticos descritos podem causar a morte de células importantes para o desenvolvimento cerebral, sendo responsáveis pelas manifestações clínicas deste novo distúrbio hereditário do neurodesenvolvimento, como a microcefalia e o atraso cognitivo. Sara Carvalhal irá agora dedicar-se a esta linha de investigação e estudar o efeito dos erros na divisão celular nas doenças raras no seu próprio laboratório no Algarve Biomedical Center.

 

A maioria das doenças raras continua muito pouco estudada e é difícil de diagnosticar. No futuro, estes resultados poderão ajudar a prevenir um diagnóstico errado ou a ausência de um diagnóstico em indivíduos que tenham mutações prejudiciais no gene BUB1, com consequências diretas no seu tratamento, prognóstico e acompanhamento. Em crianças com microcefalia primária ou com múltiplas malformações congénitas, mutações germinativas bialélicas em BUB1devem ser consideradas como causais de forma mais frequente do que acontece atualmente”, enfatiza Ingrid Bader, MD e coautora do estudo, da Paracelsus Medical University, Salzburgo, Áustria e atualmente no Institute for Medical Genetics and Applied Genomics em Tuebingen, na Alemanha.

 

Este estudo contribui também para a compreensão de doenças raras com caraterísticas clínicas e moleculares semelhantes às dos pacientes descritos, como a aneuploidia variegada em mosaico (MVA), as coesinopatias e a microcefalia primária (MCPH).

 

O estudo foi desenvolvido pelo Instituto Gulbenkian de Ciência em colaboração com o Algarve Biomedical Center Research Institute, Portugal; a Unit of Clinical Genetics da Paracelsus Medical University, o Department of Pediatrics da University Hospital Salzburg, o Institute of Human Genetics do Diagnostic and Research Center for Molecular BioMedicine, Áustria; o Cancer Center Amsterdam, o Department of Clinical Genetics dos Amsterdam University Medical Centers, e Northwest Clinics, Países Baixos. O financiamento foi atribuído pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), pela Dutch Cancer Society, pelo European Molecular Biology Laboratory (EMBL), e pelo Austrian Science Fund.