Lei de verticalização em Caraguatatuba pode causar danos socioambientais
Maria Teresa Manfredo/ComCiência/Labjor/DICYT Os vereadores de Caraguatatuba, no litoral norte paulista, aprovaram no começo desse mês projeto de lei que permite a construção de prédios com o dobro do tamanho do que é atualmente permitido no município – do limite de 9 andares de agora, passaria a ser legalizada a construção de edifícios de até 18 andares (54 metros). A liberação foi inserida no Plano Diretor do município e está dependendo de sanção do prefeito Antonio Carlos da Silva (PSDB), autor do projeto. Pesquisadores envolvidos em projeto da Unicamp que tem o litoral norte como objeto de estudo (Projeto Clima) avaliam tal modificação legislativa como preocupante em termos urbanísticos e ambientais.
Plano diretor é um documento obrigatório e deveria estar vigorando desde 2008 em todos os municípios brasileiros com mais de vinte mil habitantes, conforme prevê o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01). Os planos diretores versam sobre o uso, ocupação e gestão do solo, para um prazo mínimo de 5 anos e máximo de 10, a partir de sua promulgação.
Segundo a proposta de lei de Caraguatatuba, a encosta marítima permanecerá com prédios de até nove andares. A verticalização será permitida em locais como a chamada Fazenda Serramar, onde grupos imobiliários pretendem construir torres de escritórios e onde já está sendo construído o maior shopping center do litoral norte. Esse centro de compras tem previsão de inauguração para o fim de novembro. Tratam-se de lugares mais afastados da orla de Caraguatatuba, próximos ao Parque Estadual da Serra do Mar - área de preservação ambiental.
De acordo com dados do censo demográfico de 2010 a região do litoral norte é a que mais cresce em termos populacionais no estado de São Paulo. Além disso, o litoral norte apresenta sintomas do que se pode chamar de dilema do desenvolvimento econômico contemporâneo. De algumas décadas para cá alguns fatores como o desenvolvimento de modernas rodovias para se chegar ao local, transformaram radicalmente a região. Sua diversidade biológica está ameaçada pelo crescimento urbano e populacional e pela possibilidade de exploração de petróleo na região. A região está classificada como de alta vulnerabilidade socioambiental, de acordo pesquisadores do Projeto Clima.
Qualquer adensamento populacional em uma região de alta sensibilidade ambiental como a Serra do Mar é algo temerário - afirma Leonardo Teixeira, pesquisador envolvido no Projeto Clima e analista ambiental do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama). Para o doutorando, o maior problema do documento aprovado é o peso dado à verticalização, “o que se adotado, certamente aumentará as demandas de recursos naturais e serviços urbanos (lembrando que Caraguatatuba tem menos de 40% de esgotos tratados, sérios problemas com os resíduos sólidos urbanos e transporte público deficitário)”, afirma.
Segundo Teixeira, dos municípios do litoral norte, Caraguatatuba é a única cidade que possui uma área ainda desocupada de planície costeira, praticamente sem vegetação nativa, teoricamente apta ao crescimento da malha urbana. Porém, as perspectivas de crescimento industrial da região são muito grandes e concorrem com o crescimento urbano por esta área. “Em suma, podemos dizer que essa seria a única região do litoral norte disponível à evolução da malha urbana, mas não podemos afirmar que ela será suficiente para atender as demandas do crescimento populacional e industriais (principalmente de áreas portuárias, da indústria do petróleo e seus periféricos)”, isso pode justificar o interesse por um projeto de lei que aumente a verticalização do município.
O projeto é acusado de ter irregularidades e enfrenta ações judiciais, uma delas movida pelo Ministério Público Estadual no fórum de Caraguatatuba, a partir de um inquérito civil de número 48/2006. Nos autos deste inquérito existem três pareceres técnicos que concluem que o referido plano atenta contra uma série de princípios constitucionais. Um dos pareceres, da Ordem dos Advogados do Brasil, de Caraguatatuba, aborda o aspecto formal do projeto, concluindo por sua ilegalidade. O parecer do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) conclui que o referido plano é inadequado tecnicamente.
Leonardo Freire de Mello, professor da Universidade do Vale do Paraíba e pesquisador associado do Projeto Clima afirma que, ao se tentar analisar especificamente a potencial sustentabilidade deste projeto de lei, há que se considerar que a Fazenda Serramar se localiza no que foi o “epicentro” de um desastre que ocorreu no final do verão de 1967, com um desmoronamento de terra que destruiu tanto a antiga Fazenda dos Ingleses (atual Fazenda Serramar) quanto uma grande parte do município de Caraguatatuba e causou a morte de várias pessoas e significativos prejuízos econômicos e ambientais.
Mello explica que tal fato aconteceu em função de eventos climáticos e das características intrínsecas da Mata Atlântica na Serra do Mar (acentuada declividade e a presença de rocha muito dura abaixo da camada de solo que sustenta a floresta). “Dado que as características físicas da serra não se alteraram de lá para cá e que, além disso, vem se observando e esperando um agravamento na intensidade e na freqüência de ocorrência de eventos climáticos extremos na região, o cenário futuro não é muito animador em termos de vulnerabilidade para o local.”, afirma Mello.
Se a esse cenário adicionarmos o aumento da densidade demográfica e urbana na região decorrentes de projetos como o de aumento do porte das construções permitindo edifícios de maior porte, “as perspectivas de sustentabilidade diminuem significativamente, ao mesmo tempo em que a vulnerabilidade (tanto da infraestrutura quanto da população) aumentam de forma acentuada”, explica Mello.
Roberto Luiz do Carmo, professor da Unicamp e um dos principais pesquisadores envolvidos no Projeto Clima, lembra que não faz parte da cultura urbanística brasileira realizar análises mais específicas sobre o risco envolvido em mudanças de leis de zoneamento: “no Brasil, falta uma cultura de abordagem mais sistêmica sobre os impactos de mudanças como esta”.
Para saber mais:
ALVES, H. P. F. et al “Vulnerabilidade socioambiental nos municípios do litoral paulista no contexto das mudanças climáticas”, disponível em http://www.abep.nepo.unicamp.br/encontro2010/docs_pdf/tema_3/abep2010_2503.pdf