Ciencia Brasil Campinas, Brasil, Jueves, 21 de febrero de 2013 a las 09:42
Matemática

Produção científica em matemática ganha destaque internacional, mas ainda tem problemas a sanar

Em números absolutos, a publicação científica brasileira em matemática tem crescido vertiginosamente nos últimos anos

Renata Nascimento/Comciência/Labjor/DICYT A pesquisa matemática brasileira começou a se estruturar institucionalmente há pouco mais de meio século. Muito recente, portanto, se comparada ao surgimento da filosofia grega pré-socrática – origem de todas as ciências – com Tales de Mileto, na Antiguidade clássica, por volta de 625 a.C. No entanto, os estudos em matemática no país têm avançado bastante e começam a ganhar destaque em âmbito internacional.

 

O Brasil integra, desde 2005, a Internacional Mathematical Union (IMU), entidade que reúne nações com um objetivo em comum, o de fomentar a cooperação internacional nessa área do conhecimento. Os países são organizados por relevância de pesquisa e o Brasil conquistou seu lugar no segundo grupo, junto com Holanda, Suíça e Suécia, entre outros. No seleto primeiro grupo de maior relevância estão Estados Unidos, Reino Unido, Rússia e China.

 

Em 2010, o matemático brasileiro Jacob Palis foi um dos vencedores do prêmio Balzan, reconhecimento anual da fundação ítalo-suíça de mesmo nome a pesquisadores internacionais das áreas de ciências humanas e naturais. Palis, que é membro do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa), estuda sistemas dinâmicos, em que são possíveis criar simulações ou descrições matemáticas de fenômenos da natureza, da sociedade ou da economia.

 

Esse é um dos ramos mais promissores de pesquisa, segundo Daniel Marinho Pellegrino, membro da Associação Brasileira de Ciência (ABC) na área de matemática, professor associado da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e docente da pós-graduação em matemática da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). “As principais áreas de pesquisa são sistemas dinâmicos, equações diferenciais parciais e análise funcional. E a nossa pesquisa avançou muito. Hoje, é fácil encontrar artigos de pesquisadores brasileiros nas principais revistas do mundo”, afirma.

 

Para Jalman Alves de Lima, que após concluir seu mestrado em matemática pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) se tornou doutorando e professor assistente na Université Catholique de Louvain, na Bélgica, os grandes centros de pesquisas brasileiros são polarizados. “A área de sistemas dinâmicos, por exemplo, está concentrada fortemente no Impa, no Rio de Janeiro. Já análise funcional possui bons nomes na Paraíba, no Ceará e em São Paulo. No mundo, esse cenário também varia de país para país”, avalia.

 

Na UFPB, Pellegrino coordena um grupo de pesquisas em análise funcional, que possui duas linhas mestras: operadores absolutamente somantes (que contribui para o desenvolvimento de um campo conhecido como “Teoria Linear”) e lineabilidade e espaçabilidade (que trabalha com estruturas lineares em conjuntos). O grupo possui estreita relação com pesquisadores da Universidade Complutense de Madrid e da Universidade de Valência, ambas na Espanha, em estudos colaborativos.

 

Produção científica

 

Em números absolutos, a publicação científica brasileira em matemática tem crescido vertiginosamente nos últimos anos. De acordo com um boletim publicado em novembro de 2011 na série de Indicadores Fapesp de Ciência, Tecnologia e Inovação, entre 2008 e 2010 foram publicados 2.705 artigos na área. No entanto, os dados não são tão animadores em termos da participação das ciências exatas como um todo na produção geral do Brasil. De acordo com a Scientific Electronic Library Online (SciELO), os artigos científicos em ciências exatas e da terra publicados na base de dados da entidade representavam, em 2000, 10% do total de artigos brasileiros (em números absolutos, foram publicados 677 artigos num universo total de 6.752). Já em 2011, a participação caiu para 7% (1.449 artigos de um total de 20.812 publicações). Além de matemática, a grande área de ciências exatas e da terra inclui astronomia, ciências da computação, física, geociências, química, oceanografia, e probabilidade estatística. Para se ter uma ideia do que esses números representam, o total de artigos brasileiros em ciências exatas e da terra na base do SciELO em 2011 representava menos do que a produção média anual de artigos em matemática da Espanha e do Canadá no triênio de 2008 a 2010, que foi, respectivamente, de 2.089 e 2.151 artigos.

 

Mas na avaliação de Lima, as pesquisas brasileiras são boas. “O Impa é um exemplo de centro de excelência no mundo. Está no mesmo nível ou, em alguns casos, melhor que centros mundialmente conhecidos, como (as universidades norte-americanas de) Havard e Princeton. Segundo dados da American Mathematical Society, a instituição brasileira publica, em média, 2,03 artigos relevantes por pesquisador ao ano, enquanto Harvard alcança 1,89 e Princeton, 1,83. Porém, esse caso é ainda pontual”, ilustra.

 

Ensino e pesquisa

 

O Brasil conta com 47 instituições de ensino superior que oferecem pós-graduação na área nas modalidades de mestrado e doutorado. Atualmente, formam-se cerca de 120 doutores em matemática a cada ano, de acordo com dados do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Matemática (INCT-Mat).

 

No entanto, o número ainda é tímido. Um relatório realizado pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), intitulado “Doutores 2010: estudos da demografia da base técnico-científica brasileira”, exemplifica a diferença em relação a outras áreas. Em 2008, foram titulados no total 10.705 doutores em todo o país. Porém, matemática formou apenas 93. Dentro da grande área de ciências exatas e da terra, o curso fica em 5º lugar, atrás de química (402), física (234), geociências (201) e ciências da computação (131). O curso a formar mais doutores naquele ano foi o de medicina (1.067).

 

Para melhorar esse cenário, o país ainda precisa enfrentar outra situação. “O Brasil está perdendo bons nomes para centros estrangeiros, pois são mais atrativos, o que enfraquece o mercado local”, explica Lima. É o caso dele próprio, que interrompeu o doutorado no país para cursar doutorado pleno na Bélgica. “Isso foi idealizado há muito tempo atrás, quando eu ainda estava no final da graduação. Tive algumas conversas com meu atual orientador sobre meu interesse e fui aprovado. Hoje estudo espaços de funções em superfícies (tais como esferas), estabelecendo suas propriedades. Não pretendo voltar para o Brasil”, complementa.

 

A escassez de financiamento constante, que permita planejamento a longo prazo, é um dos grandes empecilhos para a produção científica nacional. “Por enquanto, os recursos são muito variáveis, dependendo de governos, da política de cada estado da federação e de suas agências de fomento. Alguns estados, como a Paraíba, são carentes de recursos; por outro lado, São Paulo tem a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo)”, explica Pellegrino, da UFPB, referindo-se à agência estadual de fomento à pesquisa com maior orçamento do país.

 

Outro problema a ser enfrentado, além da desigualdade regional, é a evasão no ensino superior. A graduação em matemática é a que tem a menor taxa de alunos que concluem. Cerca de 30% não chegam ao final do curso, índice bem acima da média brasileira, que é de 22%, segundo o estudo “A evasão no ensino superior brasileiro”, com base em dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), referentes ao período de 2001 a 2005, publicado em Cadernos de Pesquisa, revista de estudos e pesquisas em educação da Fundação Carlos Chagas.

 

O problema da evasão, crítico no caso da matemática, também chama a atenção em outras áreas. Dados mais recentes do Censo do Ensino Superior, divulgados pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), apontam que, nos anos de 2008 e 2009, mais de 896 mil graduandos abandonaram a sala de aula, representando 20,9% do total dos alunos matriculados em universidades brasileiras.

 

Dentre os possíveis motivos para a desistência nos primeiros anos de curso superior estão o baixo desempenho no ensino médio, que gera dificuldade para o acompanhamento do aluno nas disciplinas de graduação; a escolha errada do curso ao prestar o vestibular – muitos alunos abandonam um curso para depois tentar ingressar em outro –; o desinteresse do estudante pela estrutura curricular após o início das aulas; a insatisfação com as perspectivas da área escolhida no mercado de trabalho; e, por fim, por razões pessoais das mais diversas.

 

Para Lima, o ensino, de uma forma geral, tem que ser discutido e repensado. “Não falo apenas nas universidades, mas também nos ensinos fundamental e médio. Se queremos ser uma referência em matemática, devemos mudar na raiz. Há movimentos locais no Brasil, mas precisamos discutir seriamente a educação como um todo, o que inclui a matemática. Será que a formação que damos aos nossos jovens é suficiente?”.