Cultura Brasil Campinas, São Paulo, Lunes, 21 de febrero de 2011 a las 11:33
Cultura

Quando a cidade é mais que inspiração, é ação

A ideia de que a cidade pode inspirar iniciativas de levar conhecimento, cultura e cidadania àqueles que talvez não tivessem acesso.

ComCiência/Labjor/DICYT O conceito de "cidade do conhecimento" traz em si diversas nuances. A ideia de que a cidade pode inspirar iniciativas de levar conhecimento, cultura e cidadania àqueles que talvez não tivessem acesso é uma delas. A cidade de São Paulo, com seus museus, teatros, universidades e grandes centros de pesquisa é um exemplo de cidade que “inspira” conhecimento. Mas é preciso saber se essa inspiração está ocorrendo na medida certa e se está atingindo os setores mais frágeis da sociedade. Iniciativas da sociedade civil têm feito esse papel e os resultados mostram que é possível democratizar e socializar esse conhecimento, a partir da observação da realidade local, e por meio de muito trabalho e uma boa dose de criatividade.

 

Desenvolvimento humano é o foco da Casa do Zezinho, entidade não governamental localizada numa região conhecida como “triângulo da morte” da zona Sul de São Paulo que abarca os bairros Capão Redondo, Parque Santo Antônio e Jardim Ângela. Fundada em 1994, atendendo meia dúzia de crianças no então imóvel da família, a casa abre atualmente à 1200 "Zezinhos" da comunidade um espaço de ação e, principalmente, realização.


Casa do Zezinho, Projeto Esportes
Crédito: Levi Mendes

 

“Sabe aquela música que fala ‘a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte'? Ela reflete exatamente o que nós pensamos”, diz Dagmar Garroux, presidente da instituição. Segundo ela, o jovem precisa aprender a pensar por si mesmo, a ouvir, observar e, principalmente, se comunicar e se expressar. “Por isso nós trabalhamos com quatro pilares – Ser (espiritualidade), Conhecer (ciências), Saber (filosofia) e Fazer (arte), sempre pensando no desenvolvimento humano. Nós defendemos o direito de a criança escolher seu destino, seja qual for a classe social que ela pertença. Por isso é importante que elas entendam que as possibilidades são múltiplas, que as combinações das cores do arco íris podem ser várias e que é possível realizar seus sonhos”, afirma Garroux.

 

Os familiares das crianças que frequentam a instituição, dos 6 aos 21 anos, não ficam de fora do projeto. Eles são convidados a participar de cursos como os de informática, bordado, pintura, cabeleireiro e costura; aprendem técnicas de empreendedorismo e são chamados a dialogar quando aparece algum problema. “A Casa do Zezinho é mediação. Nós envolvemos a família e a comunidade. É preciso conhecer o seu aluno, saber onde ele mora, quem ele é. E é preciso dialogar, promover a busca pelo conhecimento pela informação, pelos seus direitos e deveres. E com a comunidade é a mesma coisa, buscamos sempre orientá-los para que possam exercer seus direitos da cidadania”, explica Garroux.

 

A ideia de estender o trabalho à comunidade e ao entorno surgiu da própria experiência, mas também da observação do trabalho de outras ONGs, que muito se fortaleceram e se profissionalizaram nos últimos anos.

 

Em 1997, o jornalista Gilberto Dimenstein idealizou o Projeto Aprendiz em Nova York, nos Estados Unidos, onde estudava uma forma de como os conteúdos de direitos humanos poderiam se encaixar no currículo escolar. O projeto tornou-se a Cidade Escola Aprendiz, instituição localizada na Vila Madalena que experimenta, desenvolve e divulga o conceito de bairro-escola, estratégia que envolve cerca de 30 projetos diferentes focados em arte, cultura, educação, comunicação, tecnologia e articulação comunitária. O projeto vem influenciando iniciativas e políticas públicas em todo o país, e acabou disseminando seus conceitos para diversas outras ONGs, como a Casa do Zezinho.


Aprendiz, projeto Trilhas Urbanas: intervenção na Biblioteca Brico Brota
Crédito: Acervo Cidade Escola Aprendiz

 

“O bairro-escola prevê a articulação do que chamamos de comunidades educativas. A criança passa por todo um processo formativo que envolve todos os espaços à sua volta e, para que isso aconteça, nós promovemos processos de articulação comunitária que tenham como foco os potenciais da comunidade e, a partir dessa articulação, buscamos conseguir melhores condições para o aprendizado e para a garantia dos direitos da criança e do adolescente”, explica Natacha Costa, diretora geral do Aprendiz. (leia também a entrevista concedida por Costa em 2010)

 

Nos dois exemplos, Casa do Zezinho e Aprendiz, a ideia é que a cidade, suas dificuldades e desafios possam realmente inspirar e gerar conhecimento, educação, arte e cidadania e zelar para que não apenas as crianças e aqueles diretamente ligados a elas possam se envolver, mas que toda a comunidade seja chamada a participar. Costa destaca que as crianças do Aprendiz começam com quatro anos de idade, participando de uma série de atividades na instituição e também em outros espaços da comunidade, que oferecem atividades de circo e esportes, por exemplo, e ainda frequentam museus, teatros e cinemas do bairro e da região. Todas as atividades são propostas e acompanhadas por atores da comunidade, como profissionais da educação e da saúde, por exemplo, e também familiares.

 

Violência e cidadania

 

Entre os problemas e desafios impostos pelas cidades, estão, cada vez mais presentes, a questão da violência e do acesso aos direitos tidos como básicos pela sociedade, tais como educação, saúde, segurança e desenvolvimento social. Nesse cenário, a atuação de dois institutos tem se destacado em São Paulo.

 

Um deles é o Instituto Zero a Seis formado por cientistas, pesquisadores e estudiosos que acreditam que um mundo melhor começa com a tarefa de criar melhor nossas crianças. O instituto vem atuando desde 2006 na pesquisa e difusão de conhecimentos relacionados à primeira infância. Fruto de uma demanda da Secretaria de Saúde da cidade de São Paulo que, após uma pesquisa, constatou que os altos índices de violência do município estavam relacionados com a família e a forma com que elas vinham criando e educando suas crianças. O Zero a Seis procurou então uma resposta para entender tcomo solucionar o problema.

 

Os resultados podem ser conferidos nas diversas palestras e encontros promovidos pelo Zero a Seis e ainda nas políticas públicas as quais vem tentando influenciar. Por meio de uma parceria com o governo federal, o instituto está envolvido na criação de um Plano Nacional pela Primeira Infância, com o intuito de divulgar informações e garantir melhores condições de vida e educação para essa fase tão importante da vida.

 

João Augusto Figueiró, médico e psicoterapeuta do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), e presidente do Instituto Zero a Seis explica que a primeira infância é fundamental na formação da personalidade e da compreensão de mundo que a criança irá desenvolver. Ele ressalta que a cidade na qual ela está inserida acaba interferindo nesse processo. “A cultura é tudo aquilo que não é natureza, mas concebido e criado pelo ser humano. A cidade, como objeto cultural, com suas construções, gastronomia e vestuário acaba influindo muito nesse processo, para o bem e para o mal. Por isso é preciso ter uma confluência de ações e que todas as secretarias trabalhem em conjunto para garantir às mais amplas parcelas da sociedade seus direitos como cidadãos,” enfatiza Figueiró.

 

O Instituto Rodrigo Mendes é outra aposta interessante. Inicialmente criado com o intuito de levar a arte às vítimas de acidentes ou pessoas com necessidades especiais o instituto cresceu e, hoje, além de capacitar professores e oferecer aulas de pintura e desenho, acabou se transformando em um dos mais atuantes atores na luta pela acessibilidade e na defesa de uma educação mais inclusiva.

 

Rodrigo Mendes, seu fundador, foi atingido em um assalto aos 19 anos de idade, na porta de sua casa no Morumbi, ficando tetraplégico. Como forma de lidar com o tratamento e sua nova condição, se apegou à arte e decidiu criar o instituto para estender o benefício a outras pessoas em situação parecida. Em 2008, Mendes foi selecionado pelo Fórum Econômico Mundial para integrar o comitê de Jovens Líderes Globais, que reúne pessoas de até 40 anos que tenham realizado algum trabalho de impacto social.

 

Por conhecer as dificuldades e desafios de perto – foi um dos primeiros alunos da FGV e da USP a buscar acessibilidade – Mendes buscará neste ano mapear iniciativas interessantes em todo o país com o intuito de divulgar projetos de sucesso e, assim, incentivar a realização de experiências mais avançadas em termos de acessibilidade no âmbito da educação. “Tudo começa com a ideia do direito universal à educação, e a palavra convívio é fundamental para essa ideia de inclusão. Nós avançamos bastante nos últimos 15 anos, tivemos conquistas relevantes em termos de políticas públicas, iniciativas da sociedade civil, mas ainda temos muitos desafios, e é nesse sentido que esse mapeamento terá um papel importante”, ressalta Mendes.

 

Articulação: porque você mora no planeta Terra!

 

“Esta semana eu assisti uma entrevista na televisão, e achei muito interessante. O repórter perguntou para o entrevistado onde ele morava, e o senhor, um mineiro, respondeu: – na Terra, uai! Eu achei isso genial, porque resume todo o nosso pensamento e o nosso trabalho. Nós moramos no planeta Terra, todos nós, então todos nós temos que nos importar com ele. Não é só o Estado, não são só as ONGs, somos todos nós”, enfatiza Garroux, “a gente tem que sair um pouco da zona de conforto, você não poder ter um porteiro por 10 anos e achar que isso está certo, você tem que incentivar essa pessoa para que ela se desenvolva, busque novos caminhos, novos conhecimentos”, acentua.

 

E, para atingir esses objetivos, é preciso articulação. “As organizações têm que trabalhar de forma articulada, entre si, têm que poder fomentar o que chamamos de capital social e permitir que as redes locais criem, de fato, condições para a melhoria da qualidade de vida dessas pessoas e possam, principalmente, sustentar essa melhoria”, enfatiza Costa. “Entendemos, no Aprendiz, que a ONG tem dois papéis. Primeiro, de articular. Não pode querer trabalhar sozinha, dar conta de tudo, porque nenhuma organização é capaz de dar conta do sujeito e isso ainda acaba criando um problema muito grave: a desresponsabilização do Estado e às vezes até das famílias. E, segundo, de pautar política pública, de estar presente no debate público porque é isso que garante o direito das pessoas de fato para que elas tenham acesso ao que lhes é de direito”, conclui Costa.