Alimentación Brasil Campinas, Brasil, Jueves, 28 de junio de 2012 a las 17:46
Notícias

Terras da Amazônia continuam sem demarcação

Amazônia “ainda” é pública, mas em um cenário de constante transformação e sem regras claras de atuação

Cristiane Paião/ComCiência/LabJor/Unicamp/Campinas/DICYT Ao contrário do que se possa imaginar, mesmo depois de tanto tempo a situação do cadastro de terras na Amazônia ainda é uma incógnita. Nem estado, nem União sabem ao certo a quem pertencem os territórios da região. E, para piorar, em razão da extensão e das características do território densamente permeado por rios e florestas fechadas, a dificuldade de locomoção dificulta a demarcação e a fiscalização dessas terras, já que as fronteiras são permeáveis e a rede de estradas é praticamente inexistente.

 

Em conferência concedida ao Módulo Amazônia, do Projeto Repórter do Futuro, no último dia 26 de maio, o General Mário Antunes, ex-chefe do Estado-Maior do Comando Militar da Amazônia em Manaus, afirmou que a Amazônia é um dos componentes da integridade nacional, na medida em que é ela que dá o sentido de continentalidade e imensidão do território do Brasil. Precisamente devido a sua extensão territorial, o tempo na Amazônia tem outra dimensão. “Os deslocamentos não levam horas, mas dias, porque a navegação está fundamentada na rede fluvial. De Manaus a São Gabriel da Cachoeira, por exemplo, um barco leva sete dias, de Manaus a Tabatinga leva treze, e de Manaus a Belém, são seis dias” diz o general. “A fronteira do Brasil com os outros países é quatro vezes maior que a dos Estados Unidos com México, que é um terreno limpo e murado e, mesmo assim, as pessoas ainda tentam passar. Então você pode imaginar o que representa patrulhar as faixas de fronteira na Amazônia, onde você não tem rio, floresta ou montanha, você tem cidades, altamente permeáveis, na medida em que não há linha de diferenciação entre uma rua e outra”.

 

Para a geógrafa Neli Aparecida de Mello-Théry, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), ainda são necessárias muitas regras e fiscalização para dar conta dessa imensidão e regulamentar os problemas atuais da Amazônia. “Ainda temos muitos desafios pela frente. A Amazônia é um território em constante transformação, que ainda tem muito de terra pública e, portanto, muito de ação do Estado a ser questionada”.

 

Segundo ela, a Amazônia “ainda” é pública, mas em um cenário de constante transformação e sem regras claras de atuação. Com sua devida fiscalização, muita ainda coisa pode mudar. “Os governos não sabem até hoje o que têm e o que não têm, o que está registrado e o que não está registrado. E porquê isso é ruim? Porque quanto menos informação correta a coisa fica do jeito que está. Não é intenção política que nós tenhamos um real cadastro de terras no país”, critica Mello-Théry.

 

Papel do Estado como indutor de transformações

 

Um dos grandes problemas da Amazônia, segundo Mello-Théry, seria a falta de uma estratégia nacional claramente definida por parte dos últimos governos federais que efetivamente englobe ações de preservação do meio ambiente e as características de seus biomas. “Essa para mim é a grande falha brasileira. O que nós vamos fazer com a Amazônia? Ainda não se sabe. E temos um fator ainda pior: a bacia amazônica ultrapassa o território brasileiro, ou seja, nós costumamos olhar para a nossa parte da Amazônia, mas e nas outras Amazônias, o que está acontecendo?”, ressalta.

 

O modelo histórico de ocupação da Amazônia está ligado a um processo de colonização voltado para a exploração e estimulado pelo sonho da propriedade. Os anos 1960, com o governo JK, marcam o modelo de desenvolvimento por meio da construção de estradas e da inauguração de Brasília, que passa a ser ligada aos outros estados brasileiros por meio dessas rodovias, as chamadas BRs, que num sentido radial ligavam a capital federal as outras regiões do país. Foram o primeiro vetor de grande reestruturação do território amazônico. Em 1967, em pleno governo militar, o governo faz o primeiro grande programa de ação em direção à Amazônia, por meio de incentivos fiscais. Nessa época, inúmeras empresas adquiriram terras e fizeram desmatamento em nome da pecuária e da agricultura em larga escala na região.

 

De acordo com Mello-Théry, o território da Amazônia nos anos 1960 era basicamente público. “Ou pertencia à União ou aos estados, e aí tem toda uma discussão sobre o que era terra pública e o que era terra devoluta. Matas e terras indígenas eram 87%. Basicamente, o que nós tínhamos na região eram caboclos, ribeirinhos e população indígena – já contatada ou não. Pastos naturais eram 11%, formados principalmente por antigos fazendeiros, herdeiros de uma sesmaria do tempo da chegada dos portugueses no Brasil. Somente 2% eram lavoura”, explica.

 

Segundo ela, a explosão aconteceu nos anos 1970, quando grandes empresas, nacionais e estrangeiras, adquiriram terras na região e usaram de incentivos fiscais para criarem gado. “Mas qual era o grande objetivo por parte do governo? O espaço ‘vazio’ que precisava ser colonizado. A Amazônia não tinha ninguém, na visão do governo, e isso fez com que tivéssemos um aumento muito grande da pecuária. Normalmente, não dava uma cabeça por hectare de atividade pecuária, o padrão mais baixo possível de atividade econômica. Isso trouxe, no entanto, uma transformação muito grande ao meio ambiente”, ressalta Mello-Théry.