Cenieh explora a evolução de duas culturas do Paleolítico Inferior em Marrocos
Antonio Martín/DICYT Duas culturas do Paleolítico Inferior assentaram-se na bacia de Ain Beni Matar, próxima a cidade de Uchda (noroeste de Marrocos, próxima a Argélia, a 150 quilômetros de Melilla). Nesta localidade, que na chegada dos hominídeos estava composta de uma paisagem de rios mais caudalosos que os atuais e com maior pluviosidade, desenvolveram-se as culturas olduvaiense e acheulense, indústrias caracterizadas pelo uso de cantos talhados e bifaces, respectivamente, e se acredita que uma sucedeu a outra cronologicamente. Pela primeira vez o Centro Nacional de Investigação sobre a Evolução Humana (Cenieh), sediado em Burgos, está nesta jazida marroquina, pouco conhecida até então, e da qual pretende extrair informação sobre as duas culturas e a importância que tiveram os assentamentos do norte da África na compreensão do que aconteceu depois e paralelamente na Europa Ocidental.
“A África é o berço da Humanidade e o Cenieh, em seu caráter investigador, não só tem interesse em conhecer o que aconteceu em Atapuerca, ao que está necessariamente vinculado, mas também em outros pontos da Europa e África, especialmente em Magreb e na África do Este”, relata Alfredo Pérez-González, responsável pela equipe de pesquisa do Cenieh em Marrocos. O grupo acaba de voltar, no mês passado, de Uchda (também conhecida como Oujda, seu nome em francês) e espera publicar os primeiros resultados de seus trabalhos de datação em poucos meses.
À frente de toda pesquisa geoarqueológica, que está em suas primeiras fases, está Robert Sala da Universidade Rovira i Virgili, que há alguns anos uniu-se ao Cenieh. Ademais, a participação de Iphes (Instituto Catalão de Paleoecologia Humana e Evolução Social), dirigido por Eudald Carbonell, tem um papel fundamental na pesquisa. O Centro Universitário de Pesquisas em Arqueologia da Universidade Mahamed I, de Uchda, é o anfitrião desta comunidade de pesquisadores na evolução humana.
A bacia de Ain Beni Matar é “um conjunto de jazidas em terraços fluviais” com dois tipos de indústrias presentes, a acheulense (que em linhas gerais possui entre 1,6 milhões de anos e 100.000 anos de acordo com a região) e outra mais antiga, de Modo I atribuível a principio à cultura olduvaiense (com 2,6 milhões de anos a um milhão de anos, também de acordo com a zona). “Estas seqüências sedimentárias são mais complexas e poderíamos dizer que têm mais de dois milhões de anos”, comenta Pérez-González.
Datação
O principal trabalho deste grupo é “datar estas jazidas”, o que permitiria ter uma composição temporal de diferentes acontecimentos da evolução humana. Neste trabalho encontra-se o espanhol Josep Maria Parés, o francês Matthieu Duval e o britânico Lee Arnold. Duval trabalha com uma tecnologia denominada ressonância paramagnética, enquanto Arnolds trabalha com a luminescência.
A história da jazida não tem mais que um qüinqüênio de idade. Por esta razão, existem poucos trabalhos sobre Ain Beni Mattar. No entanto, Marrocos e Magreb conjuntamente formam uma região que ofereceu uma quantidade estimável de testemunhos da maneira como se comportaram nossos antepassados a partir de outras jazidas. Em um primeiro estágio, os pesquisadores do Cenieh e da universidade de Uchda, comandados por Robert Sala, estudaram os níveis da jazida utilizando a magnetoestratigrafia. Foi o primeiro trabalho conjunto dos anfitriões com o grupo espanhol. Nestes trabalhos pretendem “datar os níveis com a maior precisão possível”. De acordo com Pérez-González, a magnetoestratigrafia é um método que utiliza as mudanças de polaridade do planeta para datar restos. “Há um tempo os vetores magnéticos mostravam uma orientação diferente da atual, diante do que tratamos de conhecer a orientação de determinadas partículas para, de acordo com os fluxos magnéticos ocorridos no planeta, saber sua orientação e determinar, a partir deste dado, sua antiguidade.
Neste momento os pesquisadores já têm a seqüência da estratigrafia, que será publicada em breve. “Os trabalhos arqueológicos requerem um tempo de pesquisa mais longo que outras disciplinas. São necessários de dois a quatro anos para que tudo comece”, comenta o pesquisador. Por este motivo, ademais dos estudos estratigráficos, os resultados das escavações arqueológicas realizadas sobre o terreno demorarão mais a ser conhecidos pela comunidade científica e pela opinião publica. Pérez-González estima que os primeiros resultados sejam publicados a partir de 2012.
Geocronologia
A equipe de Geoarqueologia do Centro Nacional de Investigação sobre a Evolução Humana realizou em Ain Beni Matar a análise de dois processos da formação da jazida, principalmente quanto à análise da paisagem física e ao processo de sedimentação da jazida. “A partir destes dados é que racionalmente são introduzidas outras técnicas de datação numérica”, explica Pérez-González. Em outras palavras, os cientistas partem da paisagem atual para tentar recriar o que conheceram essas populações ancestrais. A paisagem atual é, em grande parte, herança da anterior, formada em milhões de anos e da qual sempre se conservou restos das paisagens antigas. Os especialistas sabem que, ainda que agora seja semi-árido, as condições na época do desenvolvimento destas culturas eram mais benignas, com rios mais caudalosos e maior freqüência de chuvas. Estes métodos geológicos têm em consideração a análise dos meios sedimentários do lugar. “Cada processo deixa determinados sedimentos, e os glaciais não são iguais aos fluviais, por exemplo”.
Em todos os casos, a pesquisa em Marrocos não começou in situ, mas nos laboratórios do Cenieh. Por meio de fotografias aéreas e com análises estereoscópicas estudou-se os terrenos e abordou-se sua estrutura: como se originavam as formações pela ação de diferentes forças, como o rio que dá nome ao lugar, neste caso. Com mapas topográficos realizou-se um trabalho de fotointerpretação do lugar. A última missão, em março, iniciou a coleta de mostras para realizar a datação.
Após a prospecção e o reconhecimento fotogeológico, depois da fixação dos objetivos da missão, agora os pesquisadores estabelecem a idade da jazida. Esta informação poderá estabelecer um período da evolução humana e cultural que não só diz respeito à África, mas também à Europa Ocidental.
A relação entre olduvaiense e acheulense pode ser mais complexa do que se acredita
O Cenieh está presente em outras três jazidas africanas. Uma delas é histórica, do Olduvai, que dá nome a uma cultura. Situada ao norte da Tanzânia, próxima ao Parque Nacional do Serengueti, as primeiras escavações foram realizadas nos anos 50 pelo casal britânico Louis e Mary Leakey. Os depósitos mais antigos da garganta de Orduvai possuem pouco mais de dois milhões de anos e contém indústrias em pedra na Camada I que recebem o nome de Olduvaiense (ou Modo I). Este tipo de indústrias surgiu (há 2,6 milhões de anos) junto a outras formas primitivas de um hominídeo – Paranthropus boisei. Na Camada II surgiram também indústrias de tradição acheulense (bifaces) em uma cronologia estimada entre 1,7 e 1,2 milhões de anos.
Manuel Santonja, do Cenieh, responsável pela parte da jazida denominada TK, na qual colaboram pesquisadores locais da Universidade de Dar es Salaam, estima que o trabalho que dirige “encontra-se em etapas iniciais” já que estudam o processo de formação da jazida. O trabalho destina-se a conhecer as relações entre as culturas, uma (a acheulense), relacionada com Homo ergaster, mais evoluída que a outra, do parantropo. “Estávamos propensos a teorias mais lineares e a evolução pode ter sido mais complexa”.
Quatro jazidas argelianas são chave para descobrir as migrações paleolíticas
A colaboração entre a Rovira i Virgili e o Centro Nacional de Investigação sobre a Evolução Humana engloba mais países magrebinos que o Marrocos. Ambas as instituições estão desenvolvendo trabalhos de pesquisa geoarqueológica e paleomagnetismo em quatro jazidas argelianas chaves para conhecer a paleoeconomia e as migrações dos grupos humanos no norte da África durante o Pleistoceno Inferior (há mais de 780.000 NOS).
As quatro jazidas estudadas, algumas delas com localização próxima, contêm indústrias líticas muito antigas. Na Argélia Oriental, próximo à cidade de El Eulma, encontra-se o complexo industrial olduvaiense de Ain El Hanech, cuja antiguidade é de mais de 1,8 milhões de anos; e a cerca de 100 quilômetros ao sul, na parte ocidental dos montes de Bellezna, encontram-se duas jazidas acheulenses, conhecidas como NGaous e Séfiane. Errayah é outra jazida acheulense situada no litoral mediterrâneo, ao leste de Orán.
Através dos trabalhos de campo, que estão coordenados pelo pesquisador do Cenieh Mohamed Sahnouni, cientista que se incorporou ao Cenieh depois de 15 anos nos Estados Unidos, encontrou-se indústria de bifaces talhados em calcário mesozóica nas jazidas de terraços travertirnos de Séfiane e NGaous, e em quartzito no depósito arenoso fluvial de Errayah.
Os estudos geológicos, geomorfológicos e do solo realizados indicam que provavelmente nos encontramos com jazidas acheulenses do princípio do Pleistoceno Médio e inclusive, como é o caso de Errayah, com cronologias superiores a um milhão de anos, o que situaria esta jazida na Camada II (1,75 – 1,2 milhões de anos) da Garganta de Olduvai (Tanzânia), com Homo habilis e um dos restos mais antigos conhecidos do acheulense.
Procura de indícios em uma das zonas mais ricas em jazidas arqueológicas
Mieso, na Etiópia, está situada na rica região de jazidas do Triangulo de Far. O Cenieh está ali desde 2005 e colabora com o University College de Londres e a Universidade Autônoma de Barcelona. “É um vale inexplorado, no qual realizamos trabalhos de catalogação, a partir de dados de GPS, para posteriormente, nos lugares mais promissores, realizar a coleta”, descreve Alfonso Benito, responsável do Cenieh nesta zona.
O trabalho de Alfonso Benito consiste em identificar a posição das jazidas dentro da seqüência estratigráfica, para deste modo conhecer sua cronologia em função dos estratos em que se encontram, bem como determinar as características dos sedimentos que ajudam a compreendem como se formaram ditas jazidas. O especialista estima que as primeiras datações possam ser publicadas em 2011. Pelos materiais encontrados: detríticos (arenosos e argilosos), carbonatados, bem como cinza vulcânica, pode-se chegar à conclusão de que este vale, durante o Pleistoceno Médio, era uma fissura pela qual corriam cursos de água que deixavam sedimentos detríticos, com pequenos charcos e lagoas, onde se precipitavam carbonatos e onde esporadicamente se produziam erupções vulcânicas. Estes indícios permitirão em 2011 a coleta de amostras.