Escolas são permissivas frente a ações empresariais de educação ambiental
Maria Teresa Manfredo/ComCiência/Labjor/DICYT - As escolas não estão preparadas para exercer sua autonomia diante das inserções empresariais de educação ambiental no processo escolar. É o que afirma Carolina Messora Bagnolo em sua tese de doutorado, defendida no dia 30 de janeiro na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Num contexto de globalização, em que houve o crescimento das empresas no cenário mundial, ferramentas persuasivas como o discurso da responsabilidade social empresarial, ajudariam a legitimar a presença das organizações em espaços como a escola, por exemplo. Assim, estas têm sido cada vez mais alvo de iniciativas de empresas no campo da educação ambiental (sobretudo na região sudeste do país).
Através da observação de aulas, entrevistas, análise de documentos das escolas e de seus projetos político-pedagógicos, a pesquisadora identificou e analisou os sinais de resistência e/ou permissividade das escolas municipais de Mogi-Guaçu-SP. Nesse município as empresas costumam levar para as escolas, em alguns momentos do ano, materiais impressos e audiovisuais, jogos, atividades, palestras, teatros, buscando apresentar informações específicas na área de educação ambiental (reciclagem, biomas, agrotóxicos, entre outros). Também promovem atividades de capacitação para professores.
Bagnolo partiu da hipótese de que as escolas podem reproduzir o discurso e a prática pedagógica das empresas como uma imposição arbitrária de valores e normas de um determinado grupo ou classe; ou, resistir a essas iniciativas, exercendo sua capacidade crítica diante da realidade, através da mediação de ações (no cotidiano escolar e no currículo), filtrando, assim, os desígnios do poder e do controle externo.
Questão ambiental não é tópico individual
As escolas analisadas praticariam o que Bagnolo chama de uma educação ambiental adestradora, insistindo basicamente em posturas tidas como ambientalmente corretas e na idéia de reducionismo. Não trabalhariam a questão ambiental como algo complexo que atravessa o plano político, econômico, cultural. É o que a pesquisadora chama de despolitização da educação ambiental: “Acaba que a questão do meio ambiente fica girando num debate que o tempo todo responsabiliza o indivíduo pela atual situação, esquecendo que estamos tratando, antes de tudo, de uma questão social, no sentido amplo dessa palavra”, afirma.
Nos materiais disponibilizados pelas empresas para as escolas ocorreria a supervalorização do trabalho e da função das corporações na sociedade. Os depoimentos dos docentes, coletados por Bagnolo, demonstram que estes enxergam uma superioridade dos conteúdos e conhecimentos produzidos pelas empresas. Além disso, as escolas parecem não se dar conta de que se trata de um material produzido a partir do ponto de vista da empresa, sem que haja a construção deste conhecimento junto ao professor.
Sem neutralidade nos objetivos
Bagnolo lembra que o trabalho de educação ambiental desenvolvido pelas empresas não é neutro, pois possui concepções diversas de educação, ambiente, sociedade, cultura. Desse modo, as ações empresariais nas escolas possuem objetivos que vão muito além da divulgação da educação ambiental: “contribuem, sobretudo, para moldar gostos e consumos, como também visões de mundo e de sociedade.”
Porém, a pesquisadora alerta que na relação empresa-escola a empresa não exerce o papel de vilã por imprimir seu estilo de atuação e sua ideologia, “devemos lembrar que, por mais que concordemos ou não com estas ações, a empresa está cumprindo o papel social que poderíamos dela esperar: propagando, em última instância, a continuidade ou o não-questionamento do modo de produção capitalista”, pondera.
O problema estaria, pois, no despreparo da escola em filtrar as ações que lhe batem à porta.
A pesquisadora também constatou a pouca atuação dos órgãos públicos na condução da educação ambiental, seja em nível federal, estadual ou municipal. Também, as universidades seriam pouco citadas nesse contexto, deixando visível o distanciamento entre o conhecimento produzido na universidade e a realidade escolar.
Bagnolo identificou também a ausência de mecanismos governamentais que regulem a penetração das empresas no processo escolar. Tudo isso “demonstra uma fragilidade da escola em desenvolver seus trabalhos de educação ambiental, necessitando de um suporte. É a partir dessa lacuna que as empresas entram em cena, e não de maneira despretensiosa ou inocente”, elucida.
As escolas não esperam do Estado a responsabilidade que lhe compete e, por isso, mesmo que de forma implícita, acreditam que a educação ambiental estaria a cargo das empresas. Tornam-se, portanto, vulneráveis às iniciativas externas e incapazes de exercer criticamente seu papel social.
A maneira como a educação ambiental vem sendo absorvida no processo escolar expressaria as deficiências crônicas e profundas na formação do professor e na atuação do Estado na educação pública.