Educación Brasil Campinas, São Paulo, Lunes, 28 de febrero de 2011 a las 16:40
Educação

Experiências internacionais diversas mostram fluxo do conhecimento nas cidades

O empreendedorismo e a inovação tecnológica são fortemente estimulados nessas áreas, abrindo oportunidades de empregos, principalmente de alta qualificação, promovendo um incremento na economia e benefícios de ordem social e cultural.

ComCiência/Labjor/DICYT Há diferentes situações em que um lugar pode ser reconhecido como “cidade do conhecimento”. Salamanca, localizada na região de Castela e Leão, na Espanha, é assim chamada devido à grande atenção que se dá à cultura, às artes e às ciências. Possui vários museus e conserva monumentos da Idade Média em perfeito estado. Em 1988, a cidade foi nomeada Patrimônio da Humanidade pela Unesco e, em 2002, Capital Europeia da Cultura. Além disso, a cidade possui uma das mais antigas universidades do mundo – a Universidade de Salamanca, fundada em 1218 –, e atrai milhares de estudantes todos os anos, interessados nos cursos desta universidade, nos da Universidade Pontifícia e nos diversos centros espanhóis de ensino. Não são poucos os atributos que levam a cidade ser tomada como um local de saber e de conhecimento.

 

Em outro enfoque da noção de “cidade do conhecimento”, as cidades que abrigam polos ou parques tecnológicos também recebem essa denominação ou algo próximo – cidades inteligentes, cidades da ciência, cidades criativas – por apresentarem um arranjo no qual o fluxo do conhecimento atravessa várias instâncias, do planejamento urbano às atividades econômicas que ali se concentram. O empreendedorismo e a inovação tecnológica são fortemente estimulados nessas áreas, abrindo oportunidades de empregos, principalmente de alta qualificação, promovendo um incremento na economia e benefícios de ordem social e cultural.

 

Esse modelo, que teve início nos anos 1970, está bastante disseminado, estabelecido principalmente pelas atividades ligadas à economia do conhecimento. Tecnologias de informação e comunicação são o principal “tema” desses polos. Mas há outros. O arquiteto e urbanista Carlos Leite, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, dá um exemplo. Ele conta que visitou Mission Bay, um bairro de São Francisco, nos Estados Unidos, pela primeira vez há seis anos, e que a transformação no local era ainda objeto de dúvidas entre os especialistas acadêmicos, que a viam com reticência. Mas, segundo ele, “instalava-se naquele momento o que chamamos da mola propulsora da regeneração urbana e reestruturação produtiva, o elemento-âncora: o novo centro de pesquisas em biotecnologia da Universidade da Califórnia: cento e setenta mil m2 de laboratórios e centros de pesquisa”.

 

Essa é outra característica importante desses empreendimentos. Muitos deles representam uma estratégia para regenerar antigas áreas industriais que entraram em declínio com o surgimento da cidade “pós-fordista”, buscando-se desenvolver ali atividades inovadoras, como os clusters de inovação e TIC, conforme explica Leite. E onde havia desconfiança, hoje há um novo bairro, “moradia para a classe média, em prédios de quatro a dez pavimentos, em meio à mistura de usos – cafés, comércio, serviços”. O projeto urbano está sendo realizado em 220 hectares, promovendo uma reestruturação produtiva de uma antiga área industrial que se tornou obsoleta, uma regeneração urbana em metrópole contemporânea que tem como força motriz o cluster de biotecnologia. Esse arranjo representa a concentração de capital de talento humano, educacional, empreendedor. Trata-se de “uma cidade reinventada; cidade inovadora; cidade criativa”, afirma.

 

A Espanha abriga um projeto com essas mesmas características. É o Projeto 22@ Barcelona, um dos mais jovens polos tecnológicos da Europa, localizado em Poblenou, um bairro tradicional que se tornou uma área degradada com a saída das grandes indústrias. O projeto, uma iniciativa do governo local e do setor privado,teve início em 2000, com o objetivo de abrigar empresas, universidades e centros de pesquisa em um polo de tecnologia que pudesse, ao mesmo tempo, desenvolver a economia e dar uma nova vida ao Poblenou.

 

Governo-universidade-empresa

 

O modelo dos polos tecnológicos foi sacramentado na academia como a “tripla hélice” – em alusão à “dupla hélice” do DNA –, termo cunhado por Henry Etzkowitz e Löet Leydesdorff, em meados dos anos 1990. Segundo Etzkowitz afirma em entrevista concedida à revista Conhecimento & Inovação, o conceito envolvendo a tríade governo-universidade-indústria se baseou no Vale do Silício, na Califórnia, que se tornou um exemplo clássico. Ali, a partir do conhecimento gerado nas Universidades da Califórnia (UCLA) e Stanford, desenvolveram-se empresas de alta tecnologia que mantiveram e mantêm parcerias com centros de pesquisa no desenvolvimento de novos produtos, na utilização de laboratórios, e também no aproveitamento da mão-de-obra qualificada, que as universidades formam todos os anos. A participação do governo nesse tipo de arranjo se dá pelo financiamento de pesquisas, apoio à universidade, e por meio de programas de financiamento direto às empresas. Alguns dos negócios surgidos na região são nada menos que Intel, Apple, Microsoft, e-Bay, Facebook, todos de alta intensidade tecnológica.

 

No caso do 22@ Barcelona, o apoio governamental começou com a decisão de dar uma chance para o Poblenou se reinventar. Fábio Duarte, arquiteto e urbanista, professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), que visitou recentemente a região, fala com entusiasmo da experiência. Ele salienta como um ponto forte a mudança de foco da produção de máquinas industriais – que ocuparam a atenção e a economia local nos anos 1960 – para a produção de softwares e conteúdo multimídia.

 

O projeto está completando dez anos, mas somente em 2005 foi modificado o zoneamento industrial para múltiplo uso, podendo-se construir residências ou empresas. O projeto incluiu a autorização para construções de diferentes tamanhos, também de acordo com o tipo de uso, e com cobranças diferenciadas. Deste modo, a área permite que se desenvolvam atividades diferentes num mesmo lugar: trabalho, moradia, ensino, serviços. Em termos de sustentabilidade, esta proximidade é bem vinda, na medida em que permite reduzir o consumo de recursos, como os combustíveis usados no transporte, por exemplo.

 

Essa preocupação, que segundo Duarte, todo projeto urbanístico deveria considerar, está presente no 22@. O tecnopolo catalão foi pensado de forma a minimizar os efeitos de sua ocupação, pensando-se na eficiência energética e no uso de água. Além disso, “todo o lixo é recolhido e o que não pode ser reciclado segue para uma central termoelétrica para produzir energia”, diz ele. O projeto prevê que para cada 25% da área construída, deve haver uma área verde, pública, com praças. Mesmo nos lotes individuais, há uma exigência de se manter uma área verde. Outro ponto a favor da sustentabilidade é o incentivo ao transporte público e ao uso de bicicletas para se locomover. Barcelona é atravessada por uma extensa malha cicloviária, com pelo menos 20 estações de bicicletas para alugar, sempre próximas das estações de metrô; se o uso não ultrapassar meia hora, não é pago. Além disso, acrescenta Duarte, para se chegar no 22@, a prefeitura estendeu duas linhas de bonde elétrico e colocou mais uma linha de metrô. A mensagem é para que o veículo individual seja o usado o menos possível.

 

A opinião de Leite, da Universidade Mackenzie, segue a mesma linha. Segundo ele, “sob o prisma do desenvolvimento urbano sustentado, voltar a crescer para dentro da metrópole e não mais expandi-la é outro aspecto altamente relevante nesses casos: reciclar o território é mais inteligente do que substituí-lo. Reestruturá-lo produtivamente é possível e desejável no planejamento estratégico metropolitano. Ou seja: regenerar produtivamente territórios metropolitanos existentes deve ser face da mesma moeda dos novos processos de inovação econômica e tecnológica”, diz o urbanista, que é também editor do blog Cidades Sustentáveis + Inteligentes.

 

As cidades inteligentes, segundo Leite, "expressam a necessidade de uma reformulação radical das cidades na era da economia global e da sociedade baseada no conhecimento". A capacidade de inovação se traduz em competitividade e prosperidade, mas para que isso ocorra, alguns parâmetros são fundamentais, como "a presença da nova economia baseada em tecnologia, um sistema de mobilidade inteligente, ambientes inovadores/criativos, recursos humanos de talento, habitação acessível e diversificada, e sistemas inteligentes e integrados de governo (transporte, energia, saúde, segurança pública e educação). Leite diz ainda que é preciso estar atento às perspectivas que as tecnologias verdes aliadas à gestão inteligente estão abrindo no desenvolvimento urbano de novos territórios como Masdar no Dubai, desenvolvida por Norman Foster.

 

Fábio Duarte, da PUCPR, também ressalta a importância de se recriar áreas degradadas em termos econômicos. “Essas regiões antigas possuem serviços públicos instalados que ficam muito caros com a desocupação. Há menos pessoas usando e a prefeitura tem que continuar bancando. Investir em subsídios para ocupação de áreas abandonadas é mais interessante para a administração da cidade. Assim, geram emprego e consumo no local, além de arrecadação de impostos”.

 

Atividades econômicas

 

As atividades desenvolvidas no 22@, em Barcelona, se concentram principalmente na produção de softwares, games e tecnologia para a área médica. Apesar de não representarem a principal vocação da região, que sempre foram o design e a moda, o governo resolveu induzir o seu desenvolvimento, vislumbrando a possibilidade de atingir, além do próprio país, o mercado da América Latina, para onde já eram distribuídos aplicativos multimídia para área de comunicação. As atividades se concentram em cinco eixos: mídias (TV, rádio, web), tanto aplicativos como conteúdo; TICs (tecnologias de comunicação e informação), produzindo celulares, mas principalmente testando a usabilidade desses equipamentos; design gráfico e produtos, nos quais o local já tinha tradição, como na produção de móveis; tecnologias para energia, com especial foco na eficiência energética; e tecnologias para a área médica.

 

Laboratórios técnicos e escolas de engenharia também foram atraídos para o tecnopolo, segundo Duarte, assim como o Ministério das Comunicações e estações de TV e rádio. Alguns desses foram instalados em edifícios novos, construídos para este fim, mas outros, como o Ministério das Comunicações e as universidades estão ocupando antigos prédios reformados. A instalação do Museu do Design da Catalunha no 22@ reforça e valoriza essa vocação da cidade, além de promover o local também como um ponto turístico.

 

A produção de conteúdos multimídia é também o foco da Cidade Multimídia, tecnopolo localizado em Montreal, na província de Quebec, no Canadá. Em um artigo publicado na revista São Paulo em Perspectiva, Duarte conta que o governo de Quebec, “atento às oportunidades globais do mercado de software, e à fuga de talentos jovens da área de informática para os Estados Unidos e ao potencial tecnológico interno existente, lançou no início de 1997 a política dos Centros de Desenvolvimento de Tecnologia de Informação – CDTI, apoiada em medidas legais e financeiras. Em menos de um ano, mais de 200 empresas já haviam se cadastrado no programa”.

 

Entre os fatores apontados no artigo de Duarte como definidores do sucesso da experiência canadense – além das vantagens históricas dos clusters: proximidade geográfica entre empresas, gerando facilidades em relação a fornecedores, indústrias, acesso a mercados, formação de profissionais na área, entre outros – está a articulação com a Associação de Produtores de Multimídia de Quebec, com o Centro de Promoção do Software de Quebec e com a Alliance Numeric QC, que dão o suporte para o desenvolvimento e a promoção das empresas ligadas ao setor de multimídia.

 

Em relação à autonomia das empresas, o programa de incentivos do CDTI fez toda a diferença. “O programa tem como pré-requisito que as integrantes sejam novas, portanto com liberdade de decisão, sem passar por grandes corporações. Ademais, as trocas de informações em ambientes informais estão suportadas por um empreendimento urbanístico que privilegia a mistura de usos em uma área restrita, de unidades das universidades locais aos edifícios de escritório, dos cafés aos edifícios residenciais. Isso propicia um convívio intensivo entre os profissionais, por concentrar as empresas da área multimídia em um mesmo setor, como também um convívio extensivo, pela diversidade de usos que proporciona justamente a troca de informações em âmbito informal”.

 

Agência de desenvolvimento urbano-econômico

 

O que as experiências de 22@, em Barcelona, Mission Bay, em São Francisco, e Cidade Multimídia, em Montreal, têm em comum? Para Carlos Leite, é o que nos falta no Brasil são agências específicas de desenvolvimento urbano-econômico. Ele diz que Montreal é o caso pioneiro, mas também o de menor escala. A cidade já possuía essa vocação para implementar um cluster de diversas mídias, inclusive cinema. Ele avalia que no antigo bairro fabril do Poblenou, montou-se o projeto 22@ com uma estratégia radical: “buscar em dez anos implementar o Vale do Silício da Europa". Já Mission Bay, em São Francisco, ele aponta como o desejável meio-termo – experiência que poderia ser replicada na Operação Urbana Diagonal Sul em São Paulo –, ao aliar à vocação territorial existente uma atração de porte de unidade acadêmica e de pesquisa de ponta, com laboratórios que atuam no ramo e programas usuais da cidade (moradia, comércio, serviços e transporte coletivo).

 

Em relação às experiências de cidades inteligentes – do conhecimento, ou outro conceito que pode ser atribuído aos tecnopolos –, constituídas na Europa ou nos Estados Unidos, a análise de Carlos Leite é de que exceto o caso de 22@, em Barcelona, recente e exitoso, as experiências européias do final do século XX foram forçadas, criando-se tecnopolos em lugares sem nenhuma tradição na atividade produtiva escolhida. A tentativa sempre foi a de reproduzir os casos do Vale do Silício, da Terceira Itália ou da Route 66 (Boston), que foram experiências espontâneas. Leite afirma, ainda, que mais recentemente, e após analisar os erros já cometidos em casos anteriores, a Inglaterra desenvolveu uma agência de inovação e economia criativa que desenvolve políticas para inúmeras áreas inglesas, com êxito. "A ideia é pulverizar incentivos e facilitar vocações existentes", finaliza.

 

Voltando um pouco ao conceito de “cidade do conhecimento”, Fábio Duarte prefere classificar o 22@, de Barcelona, como um projeto de “cidade inteligente”. Sua explicação é de que na primeira noção, trata-se de uma região que coloca foco na produção do conhecimento. É quando uma região cria um parque tecnológico a partir de um campus já existente no local. Já a “cidade inteligente” é diferente, pois ela é desenvolvida quando o poder público percebe que tem um espaço que tem possibilidade de se transformar. É o caso de uma área industrial relativamente próxima ao centro, que está se esvaziando. “Percebe-se que uma deficiência se transforma em um trunfo; com acesso a transporte, energia instalada, cria-se uma diferença. E então, nesse novo espaço, produz-se conhecimento, tecnologia, inovação”, diz Duarte. A “cidade inteligente” vai fazer isso. O que é permitido pelo tipo de atividade da Sociedade da Informação, pelas atividades que exigem muito mais um capital intelectual do que grandes espaços, maquinário, uma extensa mão-de-obra, permanência no local de trabalho etc. É a cidade se reinventando de acordo com os novos tempos.