Nutrition Spain , Valladolid, Tuesday, May 17 of 2011, 11:20

Castela e Leão participa em um projeto europeu para valorizar o soro da fabricação de queijos

Na iniciativa, coordenada pela Cartif, participam também uma indústria farmacêutica de Valladolid e empresa de queijos de Zamora

Cristina G. Pedraz/DICYT No processo de fabricação do queijo, cerca de 85% do leite utilizado é descartado em forma de soro. Tradicionalmente, o soro é tratado com um resíduo cujo tratamento implica custos adicionais para as empresas queijeiras, já que sua eliminação em grandes quantidades pode acarretar problemas ambientais. No entanto, este líquido acumula 20% das proteínas do leite e é rico em sais e lactose, diante do que se passou a conceber sua valorização como subproduto.

 

Neste contexto, nove empresas queijeiras, indústrias farmacêuticas e centros de pesquisa de cinco países europeus (Espanha, Itália, Reino Unido, Áustria e Romênia) trabalham há dois anos no projeto do VII Programa Marco Whetlac, que tem como finalidade desenvolver novas técnicas para obtenção do ácido láctico procedente do soro e seu uso como aditivo em medicamentos ou em materiais poliméricos biocompatíveis.

 

Os três participantes espanhóis são de Castela e Leão. A Fundação Cartif coordena o projeto, no qual colaboram também a empresa queijeira de Zamora Hijos de Salvador Rodríguez e a farmacêutica Ragactives, localizada no Parque Tecnológico de Boecillo. No total, o projeto conta com um orçamento de 1,26 milhões de euros, dos quais cerca de um milhão procede da Comissão Européia.

 

Obtenção do ácido láctico

 

Os pesquisadores da Área Química Alimentar da Cartif, Mónica Ruiz e Francisco Javier Gutiérrez, explicam que a lactose obtida do soro pode ser refinada e utilizada em campos como a indústria farmacêutica, cosmética ou como aditivo alimentar. No entanto, são produzidos muitos litros ao final de um ano “e chega um momento em que não se aceita tanta quantidade, tanto pelo valor da lactose como pelas necessidades do mercado”. Assim, o projeto concebe uma via de valorização alternativa, a possibilidade de obter ácido láctico deste soro, um ácido que altamente purificado converte-se em um produto de grande valor agregado.

 

“O ácido láctico é uma molécula muito importante no mundo dos biopolímeros e dos novos materiais, é um químico base que tem muitas aplicações”, asseguram os pesquisadores. A idéia do projeto Whetlac é, de um lado, transformar a lactose em ácido láctico e, de outro, purificá-lo o máximo possível. Duas metas técnicas que os cientistas do projeto alcançaram.

 

Quanto à transformação da lactose em ácido láctico, Mónica Ruiz detalha que o primeiro passo consiste em retirar as proteínas presentes no soro mediante ultrafiltração tangencial para dar-lhes outro uso e trabalhar somente com a corrente de lactose. Uma vez que obtida a corrente de lactose, realiza-se um processo de fermentação submergida. “Este processo foi otimizado selecionando as cepas mais eficazes, tanto em tempo, quanto em rendimento, para produzir ácido láctico”, afirma a pesquisadora do Cartif. Ademais, estas cepas foram imobilizadas em um polímero para poder ser reutilizadas, o que evita ter que inocular continuamente novas bactérias lácticas. “Supõe um menor custo ambiental e facilita o processo”, insiste.

 

Após realizar a seleção de cepas no laboratório e comprovar o rendimento das imobilizadas em relação às não imobilizadas, foi desenvolvida a segunda parte com um fermentador totalmente monitorado de cinco necessário purificá-lo até chegar a 80% ou 90%, para que seja comercializável e possa ser reutilizado na indústria”, enfatiza.

 

Resultados promissores

 

Como afirma Francisco Javier Gutiérrez, tanto para a indústria farmacêutica como para a fabricação de bioplásticos é necessária uma alta pureza. Nos moldes do projeto, desenvolveu-se um inovador processo que utiliza reação com fluídos supercríticos (aqueles que se encontram em condições de pressão e temperatura superiores a seu ponto crítico, na qual as propriedades do fluído estão entre as dos líquidos e as dos gases). Neste projeto optou-se pelo uso dos fluídos supercríticos como meio de reação. Este modo de trabalho corresponde à estratégia de desenho de processos baseados na denominada “química verde”. Esta filosofia, afirma Gutiérrez, pretende ir além do tratamento convencional dos resíduos e procura fazer os processos em seu conjunto mais seguros e sustentáveis.

 

Nesta linha, os pesquisadores que participam no projeto desencadeiam uma reação e selecionam o produto, a partir da qual obtém o ácido lático. Desta maneira, duas vantagens são conseguidas, “que em um simples passo obtemos um grau de pureza muito alto, muito competitivo comparado com os métodos atualmente utilizados, e que podemos valorizar obtendo outros derivados do ácido láctico”, precisa o pesquisador. Este último aspecto tão interessante modificou o resultado final do projeto, que está a ponto de ser concluído. Segundo Gutiérrez, “a idéia que se tinha a principio era aplicar este processo como solução para os queijeiros, mas se observou que têm problemas de economia de escala e, se não são economicamente rentáveis, perderão seu interesse”. Contudo, a importância pode estar agora no processo industrial e estão sendo estudadas diversas patentes. “O objetivo inicial de comprovar se é possível aplicar esta tecnologia no sentido de agregar valor ao lactosoro foi cumprido. Os últimos dados obtidos junto aos pesquisadores austríacos determinam que o processo funciona e que, em um simples passo, depura-se o ácido láctico obtido por fermentação”, conclui o pesquisador.

 

Reunião final em 27 de abril

 

O projeto Whetlac, iniciado em novembro de 2008, celebrou sua ultima reunião no passado dia 27 de abril. Durante estes anos, os distintos participantes mantiveram reuniões periódicas para atualizar os avanços conseguidos no projeto.

 

“A cada seis meses, como máximo, mantivemos reuniões de coordenação e cada uma delas se realizou nos distintos países participantes”, indicam Mónica Ruiz e Francisco Javier Gutiérrez. Nestes encontros discutem-se os resultados, são propostos novos aspectos e se compartilha o que se espera do projeto. Na reunião final, ademais, foram difundidos os resultados, as empresas do consórcio opinaram sobre sua participação e se falou das vantagens de colaborar neste tipo de iniciativas. Whetlac se enquadra na ação do VII Programa Marco Investigação para o benefício das pymes, cujos projetos têm 24 meses de duração prorrogáveis, em casos excepcionais, a 36. Esta convocatória tem por fim contribuir à solução dos problemas técnicos destas empresas, que geralmente não contam com os meios para desenvolver a solução.

 

Últimos trabalhos

 

Definir de forma clara como serão explorados os resultados destes projetos é muito importante, já que, como neste caso, podem gerar inovações com grande interesse industrial. No projeto Whetlac, “as pymes participantes são donas do processo gerado e podem realizar a exploração como considerem oportuno, por exemplo, apenas uma pode fazer a exploração e chegar a um acordo com as demais, ou diretamente vender o resultado do projeto a um terceiro fora do consórcio e beneficiar-se de outra forma, ao não poder implantar a solução em uma queijeira pequena”. Nos trabalhos participaram todos os agentes do setor envolvidos “como uma cadeia de valor”, tanto as empresas queijeiras que produzem o resíduo, como as indústrias farmacêuticas que poderiam utilizá-lo. Ademais, no consórcio participa uma empresa envolvida em temas de engenharia que poderia implantar o processo já em uma escala real. Neste sentido, as tarefas do projeto foram realizadas de forma conjunta e integrada sob a coordenação do centro tecnológico Cartif.

 

Possíveis aplicações

 

Ainda que a efetividade do processo gerado para obtenção do ácido láctico de grande pureza esteja comprovada, os preços deste produto no mercado e a forma em que está controlado a nível mundial final seria destinado à indústria farmacêutica, que necessita do ácido láctico de grande pureza (já que as restrições nesse sentido são muito grandes) como conservante. Do mesmo modo, poder-se-ia aplicá-lo no campo da alimentação ou como biopolímero para fabricação de próteses. “Na medida em que se possa produzir uma grande quantidade a um custo eficaz, o ácido láctico será cada vez mais comum como bioplástico”, afirmam os cientistas da Cartif, após recordar que existem dois tipos de biopolímeros: os que podem ser obtidos de um recurso renovável e não são biodegradáveis, e os que são criados a partir de um recurso biodegradável e também o são. “O ácido láctico tem as duas possibilidades, é um recurso renovável e também pode chegar a ser um plástico biodegradável, diante do que também é interessante em campos como o da embalagem”, insistem.

 

O projeto encontra-se nesta fase, a de decidir qual será a saída final a ser dada aos resultados obtidos. Uma delas, em virtude da situação do mercado do ácido láctico, é patentear o processo implementado e vendê-lo a companhias especializadas neste tipo de soluções.