Molécula preserva rim em boas condições durante os transplantes
José Pichel Andrés/DICYT Pesquisa de cientistas da Universidade de Salamanca e da empresa Bio-inREn utiliza com sucesso em modelos animais uma molécula chamada cardiotrofina para preservar o rim em boas condições quando se realiza um transplante. A utilização da cardiotrofina para outros usos terapêuticos relacionados com o coração e o fígado já foi testada, mas agora se demonstrou também sua utilidade para modular a inflamação renal que complica os transplantes. O próximo passo será estudar a eficácia do método em pacientes, o que poderia aumentar o número de rins aptos a transplantes em até 15%.
Até agora 48 horas é o limite máximo para realizar a intervenção cirúrgica desde o momento em que o rim está disponível, mas nem sempre é possível fazê-lo nesse tempo por indisposição do próprio paciente que o receberá por questões de transporte. Por isso, nem todos os rins podem ser aproveitados, mas a cardiotrofina preservaria o órgão em boas condições para que, uma vez transplantado, funcionasse corretamente no paciente.
“Na Espanha somos lideres mundiais em transplantes, mas não havia sido desenvolvido um produto capaz de melhorá-los, todos eram de origem norte-americana e do Norte da Europa. Se funcionasse em humanos, seria o primeiro produto espanhol que atingiria este objetivo”, afirma em declarações a DiCYT José Miguel López Novoa, nefrologista da Universidade de Salamanca e um dos responsáveis pela empresa Bio-inRen. “Demonstramos que os rins obtidos para transplante tratados com essa proteína funcionam melhor quando transplantados”, explica.
A cardiotrofina foi descoberta pela multinacional de biotecnologia norte-americana Genentech, mas foi licenciada pela empresa Digna Biotech, uma spin-off do Centro de Investigação Médica Aplicada (CIMA) da Universidade de Navarra. A princípio, esta molécula não tem nada a ver com o rim, mas “descobriu-se porque participa no desenvolvimento do coração, já que atua tentando evitar a morte das células cardíacas quando sofrem uma agressão própria do processo de desenvolvimento do próprio coração”, enfatiza o especialista. Em suma, “se o coração sofre danos, a cardiotrofina é capaz de evitar que muitas células morram”. Posteriormente, foi utilizada também com sucesso em patologias hepáticas.
Apesar de a patente pertencer a Digna Biotech, a idéia de aplicar a cardiotrofina aos transplantes de rins foi de José Miguel López Novoa e todo o desenvolvimento experimental resultante foi realizado nos departamentos de Cirurgia e Fisiologia e Farmacologia da Universidade de Salamanca, assim como na empresa Bio-inRen, spin-off da instituição acadêmica. “Sabíamos que a cardiotrofina pode ser antiinflamatória no coração e evita a morte das células, de modo que pensamos que no rim poderia exercer uma função semelhante”, afirma.
O dano causado no rim em um transplante é produzido por isquemia, isso é, o rim tem que passar um tempo sem sangue e ser conservado congelado, e quando volta a ser irrigado produz-se uma inflamação porque o organismo rejeita o novo tecido. Neste contexto, a cardiotrofina modula os efeitos inflamatórios após o restabelecimento da circulação sanguínea ou reperfusão. Os antiinflamatórios convencionais danificam a função renal porque “a inflamação é muito complexa”, de maneira que aplicar esta molécula poderia ser a solução para que o órgão se recupere em poucos dias após a intervenção.
Vantagem de sua transferência a pacientes
Tendo-se em consideração que a cardiotrofina foi aceita pela agência espanhola e européia do medicamento, os pesquisadores acreditam que a pesquisa poderia transferir-se rapidamente à prática. “Contamos com uma vantagem, aplicaremos esta substância somente no rim, ou seja, será extraída, lavada, aplicada a cardiotrofina e, uma vez assimilada esta pelo rim, quando já não sobrem restos desta substância, será implantada no paciente”, comenta López Novoa. “Nenhum paciente receberá esta proteína, portanto, as agências do medicamento podem agir mais facilmente”. No entanto, “ainda temos que saber muitas coisas sobre porque a cardiotrofina exerce esta proteção, quais mecanismos concretos são utilizados e quais interações são produzidas entre esses mecanismos”.
Fruto desta linha de pesquisa, na semana passada foi apresentada a tese de Begoña García Cenador, ajudante do Departamento de Cirurgia da Universidade de Salamanca, em cujo tribunal participou Rafael Matesanz, diretor da Organização Nacional de Transplantes.
“Chegamos ao limite técnico de doações, e, ademais, a redução de acidentes de trânsito faz com que existam menos órgãos disponíveis, de modo que isto permite aproveitar rins que atualmente não são utilizados porque demoram para chegar ou porque os pacientes não estão em condições de recebê-los”, afirma o pesquisador. Ainda que seja difícil saber por quanto tempo poderia ser mantido um rim em boas condições com este método, especialistas em transplantes acreditam que pode haver um aumento de 15% no número de rins recuperados, cifra muito significativa já que atualmente são realizados anualmente na Espanha cerca de 3.000 transplantes, ou seja, isso implicaria uma aumento de 450.