Ciencias Sociales Brasil Campinas, S茫o Paulo, Viernes, 14 de mayo de 2010 a las 19:19
Gen茅tica

Odores indicam o caminho do perigo para presas

Trabalho abre possibilidades de novas descobertas sobre o sistema olfativo que 茅 pouco conhecido, at茅 mesmo em seres humanos

Alessandra Pancetti/ComCiência/Labjor/SP/DICYT - Como seria o mundo se ao sairmos na rua pela primeira vez - ou, quem sabe, na selva -, pudéssemos identificar a presença de inimigos sem que nunca houvéssemos nos deparado com eles antes? Pois o mundo é assim - ao menos para alguns. Um trabalho feito na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) demonstra que camundongos conseguem responder à presença de predadores - sejam eles gatos, ratos ou cobras - sem que jamais os tenham visto ou tido nenhum outro contato com eles. E isso se deve a um órgão bastante especializado que fica localizado na região nasal, denominado órgão vomeronasal, ou VNO, que faz parte do sistema olfativo desses animais.

 

Fábio Papes, professor do Instituto de Biologia da Unicamp, e um dos autores da pesquisa, explica que o fato desse mecanismo ser inato - ou seja, os animais nascem com ele - é importante, pois permitiu aos pesquisadores deduzirem que existem vias pré-programadas geneticamente no sistema nervoso que permitem esse tipo de detecção. “Os genes determinam a existência dessas vias, que já existem para possibilitar ao animal responder a determinados estímulos”, diz. Isso permitiu que os pesquisadores utilizassem a genética para estudar as estruturas moleculares que geram essa resposta.

 

Mas como os camundongos detectam os seus inimigos naturais através do olfato? Acontece que o VNO possui receptores para substâncias como feromônios e cairomônios. Feromônios são sinalizadores moleculares que permitem a identificação de indivíduos da mesma espécie. Os cairomônios, por outro lado, são sinalizadores moleculares que uma espécie animal produz e que é identificado por outra. Nesse trabalho, o grupo de Papes, em colaboração com um laboratório do Scripps Research Institute, nos Estados Unidos, identificou que a proteína que estava sendo reconhecida pelo VNO do camundongo é um feromônio conhecido como MUP (do inglês, Major Urinary Proteins), presente na urina de rato. Mas, nesse caso, o feromônio estava atuando como um cairomônio - indicando ao camundongo a presença do predador.

 

O feromônio MUP, na realidade, está presente em várias espécies animais, como na saliva de gatos - como o grupo identificou - e até mesmo em camundongos. Para os camundongos, as MUPs são responsáveis por estimular a agressividade entre os animais, característico da territorialidade entre machos. Mas os pesquisadores descobriram que quando a MUP do gato, por exemplo, é detectada por um camundongo, ela resulta em alguns comportamentos específicos de ansiedade, além de apresentarem características que, em seres humanos, estão associadas ao medo: aumento da taxa respiratória, aumento dos batimentos cardíacos, liberação de hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), e consequentemente corticosteronas, dilatação da pupila e diminuição da atividade peristáltica do sistema gastro-intestinal.

 

Os pesquisadores identificaram no cérebro dos camundongos um grupo específico de células que respondem à presença das MUPs. Em seguida, eles realizaram experimentos em camundongos mutantes que não possuem o VNO ativo e viram que todos os comportamentos relacionados a medo observados antes não existiam mais, e nem a resposta cerebral associada a eles. A partir disso, eles também conseguiram identificar células que respondem somente às MUPs de predadores. “Nós identificamos uma série de regiões dentro do sistema nervoso que respondem a essas moléculas e algumas delas parecem responder bastante especificamente”, explica Papes. Uma questão que ainda intriga os cientistas tem a ver com as razões pelas quais os predadores continuariam a produzir uma substância que avisa a presa de sua presença. Para Papes, é possível que as MUPs executem uma função específica e indispensável nas espécies de predadores, uma função ainda desconhecida da ciência. As espécies de presa, por outro lado, acabaram desenvolvendo um sistema para detectar estas proteínas, se beneficiando do fato de que os predadores não podem perder as MUPs. Nesse modo de evolução, chamada de co-opção, um organismo passa a utilizar uma proteína pré-existente para executar uma nova função.

 

Segundo o pesquisador da Unicamp, esses variados mecanismos de detecção teriam surgido através da duplicação e evolução de agrupamentos de genes primitivos envolvidos no processo molecular de detecção de odores, e novas propriedades diferentes foram sendo conferidas às novas cópias dos genes ao longo da evolução. Após milhares de anos de modificações, parte desses genes em uma espécie adotou uma função na detecção de odores entre espécies diferentes, como no caso da detecção dos cairomônios. Posteriormente, outros genes assumiram a função de detecção de odores dentro da mesma espécie, como os feromônios, que geram uma ampla gama de comportamentos associados, como agressividade,comportamento sexual e cuidado maternal.

 

Os sentidos, o medo e a lógica do cérebro

O trabalho abre muitas questões ainda a serem investigadas. Por exemplo, como ocorre a detecção diferenciada de MUPs como cairomônios ou feromônios pelo cérebro? Ou como agem os receptores? Ou como se organiza a resposta neural a diferentes cairomônios? Além disso, o sistema olfativo é muito pouco conhecido, até mesmo em seres humanos. Papes explica que dentro da cavidade nasal existem vários sub-sistemas olfativos, dos quais o epitélio olfativo (camada de células da superfície) e o VNO são apenas os mais conhecidos. “Todo o conjunto de sub-sistemas ainda precisa ser compreendido, não só para entender como o sistema olfativo funciona, mas para entender como o cérebro evoluiu em relação à detecção de toda essa variedade de informações, e aí usar essa informação pra entender os nossos outros sistemas sensoriais”, diz.

 

Essa linha de estudo tem também implicações no entendimento do medo, uma vez que as respostas cerebrais estudadas em camundongos ocorrem no sistema límbico, também relacionado com emoções em seres humanos. “Como essas regiões estão presentes, nós acreditamos que compreendendo como elas funcionam nesse modelo de animal simples, em que a gente pode correlacionar entrada e saída, poderemos entender como funcionaria no caso de seres humanos”, diz.

 

Dentro de uma visão mais ampla, os estudos procurarão entender quais as relações dentro do cérebro entre esse e os outros sistemas sensoriais e como se dá a integração entre eles. “Descrever um padrão de ativação é uma coisa, mas compreender a lógica que está por trás dele, que é o que eventualmente vai ser utilizado pela comunidade científica para responder àquela pergunta imponderável - que é como o cérebro interpreta isso -, essa lógica é difícil, nós ainda temos que chegar nela”, completa.

 

Para saber mais, o trabalho pode ser acessado na íntegra no link. Um vídeo explicativo dos autores, em inglês, pode ser visto no mesmo link, no botão PaperFlick (à direita da tela, sobre o gráfico).